Um espaço para reinventar Portugal como nação de todo o Mundo, que estabeleça pontes, mediações e diálogos entre todos os povos, culturas e civilizações e promova os valores mais universalistas, conforme o símbolo da Esfera Armilar. Há que visar o melhor possível para todos, uma cultura da paz, da compreensão e da fraternidade à escala planetária, orientada não só para o bem da espécie humana, mas também para a preservação da natureza e o bem-estar de todas as formas de vida sencientes.

"Nós, Portugal, o poder ser"

- Fernando Pessoa, Mensagem.

a Língua Madrasta


Dias de palha-de-aço. Pardacentos, transbordantes dum mofo difícil de descrever. Horas marteladas entre papeladas escritas a desgosto. Vidas mastigadas numa orgia de bacantes meio cegas e já perto da última derrota, enfim, não somos todos carne animada duma esperança provisória?

Os conselhos de turma servem para quê? Em princípio, para avaliar os alunos.

Mas avaliar, esse acto pedagógico sublime, difícil, não é julgar a valia antropológica das pessoas que têm a desdita de se verem encerradas na escola no período mais viçoso das suas vidas.

Num conselho de turma típico temos, se tivermos alguma sorte, um açougueiro-mor – mais frequentemente, uma açougueira – a pessoa que lecciona Português.

Português, na escola portuguesa, é a Língua Madrasta. Se fosse Materna conseguira iluminar os corações dos alunos e conduzi-los à descoberta das potencialidades ocultas da sua mente. Mas não. Aquilo que deveria ser o tesouro mais precioso à disposição da pessoa que 'dá' Português, os erros dos seus alunos, as falhas que, com uma ponderada e interessada correcção poderiam conduzi-los à descoberta duma subjectividade criativa, acabam por ser pregos de amortalhar cristos.

É claro que há excepções.E são muitas.

Lembro-me agora duma das situações mais bizarras da minha vida: enquanto director de turma tive que ler o comentário duma pessoa que 'dava' Português no cabeçalho dum teste dum aluno. Quem mo mostrava era o pai. Calmo, mas com uma imensa tristeza nos olhos. O seu filho era apelidado de imbecil pela douta criatura, em quatro linhas de azedume escritas com um despeito fora deste mundo. O aluno era portador duma deficiência profunda, o síndrome de Asperger. O seu maior problema era dar demasiado trabalho aos professores. Tinha uma disgrafia grave, devidamente comprovada por perícias médicas. E mesmo assim a senhora queixava-se que a letra do aluno era ilegível e que ela não se sentia obrigada a ler o que ele escrevia.

O pai perguntou-me o que é que a escola pretendia fazer com o seu filho. Haveria uma lista para extermínio? Eu respondi-lhe que iria perguntar ao primeiro SS que encontrasse.

Quando confrontei a professora do ensino especial com a situação a resposta que me deu é que o pai queria era que lhe passassem o filho de qualquer maneira. Vendo que tinha encontrado a pessoa que procurava, antes de lhe perguntar pela existência da lista, perguntei-lhe como é que ela via a permanência daquele aluno na escola. Respondeu-me que o aluno era imbecil e que não deveria estar numa turma normal do ensino secundário. Haveria outros percursos que lhe seriam mais adequados, mas os pais queriam por força que o filho continuasse na escola.

O pai tinha-me dito que considerava a socialização importantíssima, uma vez que o filho estava a entrar na adolescência e talvez fosse positiva a sua interacção com adolescentes. E isso era algo que não encontraria a não ser na escola secundária.

Para me inteirar da situação do aluno desloquei-me à escola onde ele concluíra o ensino básico. Falei com alguns dos seus antigos professores, mas foi a sua antiga directora de turma que me deixou de rastos. Quando lhe contei o que se passava aquela colega com mais de trinta anos de serviço desfez-se em lágrimas. O “João” fora um dos seus alunos mais queridos. Muito infantil, mas com uma bondade capaz de encher o mundo. A causa das lágrimas fora eu ter-lhe contado que o aluno se auto-agredia violentamente dentro da sala de aula, em frente dos seus colegas, e repetia “tu és burro!”, “tu és burro”, “tu és burro”... Qualquer energúmeno mais letrado consegue perceber que se trata duma reacção à frustração. Mas a Língua Madrasta não brinca em serviço. Às vezes eu brinco e digo que foi a Língua Portuguesa que foi feita para os alunos e não os alunos para a Língua Portuguesa (também digo que o Camões era zarolho, só para ver cara dos alunos incrédulos com o espectáculo dum professor a gozar com o seu principal instrumento de tortura). Mas com coisas sérias não se brinca. O respeitinho é bonito e serve para pôr na ordem quem não preenche os princípios da conformidade marrónica. Não é por acaso que alguns dos 'melhores' alunos parecem chanfrados pela mão do melhor dos torneiros.

Aquela professora que chorou convulsivamente disse-me que a sua tristeza a impedia de manifestar a sua revolta. E disse-me para ter cuidado.

O professor de Matemática mostrou-me alguns trabalhos do João e disse-me que ele por vezes podia ser brilhante. Mas tinha que se sentir aceite pelo professor. Demorou até que desabrochasse.

No conselho de turma disse à pessoa que 'dava' Português que, no meu caso, depois dos testes, pedia ao aluno para me ler o teste e eu passava-o a computador. Levava-o para casa e corrigia-o compaginando-o com o manuscrito do aluno. A senhora disse-me que não lhe pagavam para fazer esse trabalho e que achava uma estupidez o que eu fazia. Se eu tivesse o mesmo sistema de valores da senhora, atendendo a que eu ganhava metade do seu salário, menos tostão , a coisa dava pela metade, aí se poderia medir o tamanho da minha estupidez.

O resultado é que, quando as notas do aluno foram vertidas para a pauta, a minha, e logo a Filosofia, era a única positiva. Eu lavrei uma declaração para a acta na qual me penitenciava por só conseguir dar onze ao aluno, uma vez que, nunca tendo tido formação na área do ensino especial, era a primeira vez que tinha um aluno com Asperguer. E pedia a compreensão do conselho de turma para a necessidade de poder ter que dar notas superiores ao aluno nos próximos períodos e que se deveria ter a nota do primeiro período como uma aproximação e sem que isso pudesse ser visto como um juízo sobre as capacidades do aluno.

Caiu o Carmo e a Trindade. A professora do ensino especial, recém-eleita vice-presidente do conselho executivo, estava na reunião e disse, em frente de todos os professores da turma, que eu estava a prestar um péssimo serviço à educação. Foi um conselho de turma no mínimo agitado.

E dava-se o caso de eu já não estar a presidir àquela reunião, uma vez que fui director de turma por um mês e meio, a substituir um professor que ficara doente. A professora que 'dava' Português achava impossível que aquele aluno, com um 3 na pauta a Língua Madrasta pudesse ter 11 a Filosofia. Eu disse, sem brincar, que a Filosofia tinha sido feita para os alunos e não os alunos para a Filosofia e que o mesmo se passava com a escola.

À professora do ensino especial disse-lhe que não tinha categoria sequer para beijar o chão que os meus alunos pisavam. Entre ameaças de processo disciplinar, os trabalhos lá andaram até ao encerro da reunião.

Nesse dia jurei que faria tudo para destruir a escola, fazê-la implodir. Iria fazer tudo para maravilhar os meus alunos, para os levar a questionarem antes de quererem a santa paz da ruminância. A todo o momento podem acontecer coisas 'estranhas'. Num teste, por exemplo, uma das questões pode ser um desafio de monta: os alunos têm que provar que eu não sou Deus.

A coisa é deveras difícil.

Há também as aulas do contra. Quem me deu esta ideia foi um jovem colega de Filosofia. Comprei-lhe a ideia com um abraço e uma frise de limão. E a coisa funciona assim: durante a aula eu irei transmitir uma informação falsa. O aluno que conseguir descobrir a marosca ganha um prémio. Pode ser, por exemplo, o último álbum do José Cid. Uma coisa de monta.

O resultado é uma aula em que sou bombardeado por perguntas do princípio ao fim. É claro que eu nunca transmito informações erradas, mas tudo o que digo e apresento aos alunos é escrutinado sem piedade. E lá se vai a minha armadura de sumidade. Deixo de me sumir perante os alunos. A coisa torna-se mágica.

Há outra ideia daquele colega que eu também aplico por vezes: o jogo dos sonhos. E funciona assim: cada aluno escreve num papel o sonho que gostaria de ver realizado. Depois, os papéis são baralhados e redistribuídos. Se alguém lhe calhar o seu, volta a pô-lo a circular. Por vezes há que misturar os sonhos de várias turmas para coisa dar certo, ou eu fico responsável por um sonho. Quem recebe um sonho dum colega deve fazer tudo para que ele se realize.

Os sonhos poderão ser realizados de forma indirecta, se alguém sonhar em ir à Lua podem oferecer-lhe um documentário sobre a ida à Lua, ou algo de semelhante. Uma vez um rapaz que queria ter muito dinheiro recebeu um saco com 10 euros em moedas de um cêntimo. Uma coisa bem pensada.

Este ano uma aluna escreveu: “queria ter uma varinha mágica que me permitisse acabar com o sofrimento de todas as pessoas”. Eu li o papel e perguntei-lhe o que é que ela via de mal nos animais e ela pediu-mo de volta, riscou 'todas as pessoas' e escreveu 'todos os que sofrem'.

Isso deu-me a convicção de que ela não precisará de varinha mágica. Mas estou com um problema: como a turma é ímpar cabe-me a mim realizar-lhe o sonho. O meu problema é: o que fazer para não acabar com o sonho?

E pronto, hoje apeteceu-me escrever isto depois de ter participado em dois conselhos de turma. E o meu maior problema é que quase não 'dou' negativas. É estranho.

Talvez não tenha nascido para professor.

4 comentários:

José António Lozano disse...

Paulo,
sempre gostei do que escrevias, poesia, reflexões... Hoje quero agradecer-te este testemunho que me toca no coração. Muito obrigado. De um professor que às vezes pensa que não vale para professor

paula disse...

Eu gostava de ser tua aluna.
Parabéns. Não tens só boas ideias, tu concretizas.
Também gostei daquela de não usar manual. Só alguém que tem mestria pode fazê-lo.
E eu sei que isso dá muito trabalho,requer muito amor.

Paulo Feitais disse...

Caros...
Atrasado pelas burocracias de fim de período, recebo os vossos comentários e deles retiro o que interessa: é bom que os que vêem o ensino como uma via para lançar os alunos na aventura da auto-descoberta não percam a noção de que a treva não é um obstáculo à luz.
Muito pelo contrário.
Para o José: vale sempre a pena. Os alunos não têm que gostar de nós nem do que lhes queremos ensinar. Ás vezes aquilo que 'passa' nem nós sabemos o que é. Acho que por vezes somos instrumentos do que é preciso. E quem é que sabe de que é que um aluno precisa? Talvez o Espírito Santo, quem sabe?
Para a Paula: tento que os alunos não sejam meus. ;)
Mas a verdade é que desde que deixei de usar manual os resultados melhoraram. Os alunos parece que ficam tocados pelo facto de receberem uma ficha que foi feita especialmente para eles. Por vezes também ponho textos deles nos testes.
Mas enfim...

Um grande Natal! Ou seja: Um Natal Búdico!

(Isto sem ironia).

:)

Cristina Castro disse...

Muito grata por tudo o que escreveu!

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a Língua Madrasta


Dias de palha-de-aço. Pardacentos, transbordantes dum mofo difícil de descrever. Horas marteladas entre papeladas escritas a desgosto. Vidas mastigadas numa orgia de bacantes meio cegas e já perto da última derrota, enfim, não somos todos carne animada duma esperança provisória?

Os conselhos de turma servem para quê? Em princípio, para avaliar os alunos.

Mas avaliar, esse acto pedagógico sublime, difícil, não é julgar a valia antropológica das pessoas que têm a desdita de se verem encerradas na escola no período mais viçoso das suas vidas.

Num conselho de turma típico temos, se tivermos alguma sorte, um açougueiro-mor – mais frequentemente, uma açougueira – a pessoa que lecciona Português.

Português, na escola portuguesa, é a Língua Madrasta. Se fosse Materna conseguira iluminar os corações dos alunos e conduzi-los à descoberta das potencialidades ocultas da sua mente. Mas não. Aquilo que deveria ser o tesouro mais precioso à disposição da pessoa que 'dá' Português, os erros dos seus alunos, as falhas que, com uma ponderada e interessada correcção poderiam conduzi-los à descoberta duma subjectividade criativa, acabam por ser pregos de amortalhar cristos.

É claro que há excepções.E são muitas.

Lembro-me agora duma das situações mais bizarras da minha vida: enquanto director de turma tive que ler o comentário duma pessoa que 'dava' Português no cabeçalho dum teste dum aluno. Quem mo mostrava era o pai. Calmo, mas com uma imensa tristeza nos olhos. O seu filho era apelidado de imbecil pela douta criatura, em quatro linhas de azedume escritas com um despeito fora deste mundo. O aluno era portador duma deficiência profunda, o síndrome de Asperger. O seu maior problema era dar demasiado trabalho aos professores. Tinha uma disgrafia grave, devidamente comprovada por perícias médicas. E mesmo assim a senhora queixava-se que a letra do aluno era ilegível e que ela não se sentia obrigada a ler o que ele escrevia.

O pai perguntou-me o que é que a escola pretendia fazer com o seu filho. Haveria uma lista para extermínio? Eu respondi-lhe que iria perguntar ao primeiro SS que encontrasse.

Quando confrontei a professora do ensino especial com a situação a resposta que me deu é que o pai queria era que lhe passassem o filho de qualquer maneira. Vendo que tinha encontrado a pessoa que procurava, antes de lhe perguntar pela existência da lista, perguntei-lhe como é que ela via a permanência daquele aluno na escola. Respondeu-me que o aluno era imbecil e que não deveria estar numa turma normal do ensino secundário. Haveria outros percursos que lhe seriam mais adequados, mas os pais queriam por força que o filho continuasse na escola.

O pai tinha-me dito que considerava a socialização importantíssima, uma vez que o filho estava a entrar na adolescência e talvez fosse positiva a sua interacção com adolescentes. E isso era algo que não encontraria a não ser na escola secundária.

Para me inteirar da situação do aluno desloquei-me à escola onde ele concluíra o ensino básico. Falei com alguns dos seus antigos professores, mas foi a sua antiga directora de turma que me deixou de rastos. Quando lhe contei o que se passava aquela colega com mais de trinta anos de serviço desfez-se em lágrimas. O “João” fora um dos seus alunos mais queridos. Muito infantil, mas com uma bondade capaz de encher o mundo. A causa das lágrimas fora eu ter-lhe contado que o aluno se auto-agredia violentamente dentro da sala de aula, em frente dos seus colegas, e repetia “tu és burro!”, “tu és burro”, “tu és burro”... Qualquer energúmeno mais letrado consegue perceber que se trata duma reacção à frustração. Mas a Língua Madrasta não brinca em serviço. Às vezes eu brinco e digo que foi a Língua Portuguesa que foi feita para os alunos e não os alunos para a Língua Portuguesa (também digo que o Camões era zarolho, só para ver cara dos alunos incrédulos com o espectáculo dum professor a gozar com o seu principal instrumento de tortura). Mas com coisas sérias não se brinca. O respeitinho é bonito e serve para pôr na ordem quem não preenche os princípios da conformidade marrónica. Não é por acaso que alguns dos 'melhores' alunos parecem chanfrados pela mão do melhor dos torneiros.

Aquela professora que chorou convulsivamente disse-me que a sua tristeza a impedia de manifestar a sua revolta. E disse-me para ter cuidado.

O professor de Matemática mostrou-me alguns trabalhos do João e disse-me que ele por vezes podia ser brilhante. Mas tinha que se sentir aceite pelo professor. Demorou até que desabrochasse.

No conselho de turma disse à pessoa que 'dava' Português que, no meu caso, depois dos testes, pedia ao aluno para me ler o teste e eu passava-o a computador. Levava-o para casa e corrigia-o compaginando-o com o manuscrito do aluno. A senhora disse-me que não lhe pagavam para fazer esse trabalho e que achava uma estupidez o que eu fazia. Se eu tivesse o mesmo sistema de valores da senhora, atendendo a que eu ganhava metade do seu salário, menos tostão , a coisa dava pela metade, aí se poderia medir o tamanho da minha estupidez.

O resultado é que, quando as notas do aluno foram vertidas para a pauta, a minha, e logo a Filosofia, era a única positiva. Eu lavrei uma declaração para a acta na qual me penitenciava por só conseguir dar onze ao aluno, uma vez que, nunca tendo tido formação na área do ensino especial, era a primeira vez que tinha um aluno com Asperguer. E pedia a compreensão do conselho de turma para a necessidade de poder ter que dar notas superiores ao aluno nos próximos períodos e que se deveria ter a nota do primeiro período como uma aproximação e sem que isso pudesse ser visto como um juízo sobre as capacidades do aluno.

Caiu o Carmo e a Trindade. A professora do ensino especial, recém-eleita vice-presidente do conselho executivo, estava na reunião e disse, em frente de todos os professores da turma, que eu estava a prestar um péssimo serviço à educação. Foi um conselho de turma no mínimo agitado.

E dava-se o caso de eu já não estar a presidir àquela reunião, uma vez que fui director de turma por um mês e meio, a substituir um professor que ficara doente. A professora que 'dava' Português achava impossível que aquele aluno, com um 3 na pauta a Língua Madrasta pudesse ter 11 a Filosofia. Eu disse, sem brincar, que a Filosofia tinha sido feita para os alunos e não os alunos para a Filosofia e que o mesmo se passava com a escola.

À professora do ensino especial disse-lhe que não tinha categoria sequer para beijar o chão que os meus alunos pisavam. Entre ameaças de processo disciplinar, os trabalhos lá andaram até ao encerro da reunião.

Nesse dia jurei que faria tudo para destruir a escola, fazê-la implodir. Iria fazer tudo para maravilhar os meus alunos, para os levar a questionarem antes de quererem a santa paz da ruminância. A todo o momento podem acontecer coisas 'estranhas'. Num teste, por exemplo, uma das questões pode ser um desafio de monta: os alunos têm que provar que eu não sou Deus.

A coisa é deveras difícil.

Há também as aulas do contra. Quem me deu esta ideia foi um jovem colega de Filosofia. Comprei-lhe a ideia com um abraço e uma frise de limão. E a coisa funciona assim: durante a aula eu irei transmitir uma informação falsa. O aluno que conseguir descobrir a marosca ganha um prémio. Pode ser, por exemplo, o último álbum do José Cid. Uma coisa de monta.

O resultado é uma aula em que sou bombardeado por perguntas do princípio ao fim. É claro que eu nunca transmito informações erradas, mas tudo o que digo e apresento aos alunos é escrutinado sem piedade. E lá se vai a minha armadura de sumidade. Deixo de me sumir perante os alunos. A coisa torna-se mágica.

Há outra ideia daquele colega que eu também aplico por vezes: o jogo dos sonhos. E funciona assim: cada aluno escreve num papel o sonho que gostaria de ver realizado. Depois, os papéis são baralhados e redistribuídos. Se alguém lhe calhar o seu, volta a pô-lo a circular. Por vezes há que misturar os sonhos de várias turmas para coisa dar certo, ou eu fico responsável por um sonho. Quem recebe um sonho dum colega deve fazer tudo para que ele se realize.

Os sonhos poderão ser realizados de forma indirecta, se alguém sonhar em ir à Lua podem oferecer-lhe um documentário sobre a ida à Lua, ou algo de semelhante. Uma vez um rapaz que queria ter muito dinheiro recebeu um saco com 10 euros em moedas de um cêntimo. Uma coisa bem pensada.

Este ano uma aluna escreveu: “queria ter uma varinha mágica que me permitisse acabar com o sofrimento de todas as pessoas”. Eu li o papel e perguntei-lhe o que é que ela via de mal nos animais e ela pediu-mo de volta, riscou 'todas as pessoas' e escreveu 'todos os que sofrem'.

Isso deu-me a convicção de que ela não precisará de varinha mágica. Mas estou com um problema: como a turma é ímpar cabe-me a mim realizar-lhe o sonho. O meu problema é: o que fazer para não acabar com o sonho?

E pronto, hoje apeteceu-me escrever isto depois de ter participado em dois conselhos de turma. E o meu maior problema é que quase não 'dou' negativas. É estranho.

Talvez não tenha nascido para professor.

4 comentários:

José António Lozano disse...

Paulo,
sempre gostei do que escrevias, poesia, reflexões... Hoje quero agradecer-te este testemunho que me toca no coração. Muito obrigado. De um professor que às vezes pensa que não vale para professor

paula disse...

Eu gostava de ser tua aluna.
Parabéns. Não tens só boas ideias, tu concretizas.
Também gostei daquela de não usar manual. Só alguém que tem mestria pode fazê-lo.
E eu sei que isso dá muito trabalho,requer muito amor.

Paulo Feitais disse...

Caros...
Atrasado pelas burocracias de fim de período, recebo os vossos comentários e deles retiro o que interessa: é bom que os que vêem o ensino como uma via para lançar os alunos na aventura da auto-descoberta não percam a noção de que a treva não é um obstáculo à luz.
Muito pelo contrário.
Para o José: vale sempre a pena. Os alunos não têm que gostar de nós nem do que lhes queremos ensinar. Ás vezes aquilo que 'passa' nem nós sabemos o que é. Acho que por vezes somos instrumentos do que é preciso. E quem é que sabe de que é que um aluno precisa? Talvez o Espírito Santo, quem sabe?
Para a Paula: tento que os alunos não sejam meus. ;)
Mas a verdade é que desde que deixei de usar manual os resultados melhoraram. Os alunos parece que ficam tocados pelo facto de receberem uma ficha que foi feita especialmente para eles. Por vezes também ponho textos deles nos testes.
Mas enfim...

Um grande Natal! Ou seja: Um Natal Búdico!

(Isto sem ironia).

:)

Cristina Castro disse...

Muito grata por tudo o que escreveu!

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