Entrevista: Julio Groppa Aquino, ESPECIALISTA EM PSICOLOGIA ESCOLAR DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP)
Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, em São Paulo, Julio Groppa Aquino, 45 anos, desde o ano passado se incumbe de uma pesquisa monumental com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): compilar e analisar toda a produção acadêmica brasileira sobre disciplina escolar surgida desde os anos 80. Com dois livros já publicados sobre o assunto, o especialista se considera uma voz dissonante em relação ao coro de educadores que vê nos alunos a origem dos conflitos em sala de aula.
Perguntado sobre como resolver os problemas de indisciplina nas escolas:
"Aquino – Precisam ser resolvidos criativamente. Eu não tenho uma fórmula pronta para isso. É como querer resolver um problema conjugal. O que eu posso fazer é discutir o princípio, o princípio democrático das escolas. Quando educadores, em quase sua totalidade, dizem que não estamos sabendo lidar com as crianças, isso não é estranho? Não podemos dizer que elas não têm jeito. Há um subtexto conspiratório contra a criança e a juventude de parte dos educadores e repetido pela mídia.
ZH – Quais as consequências?
Aquino – Dizem que precisamos excluir crianças, mandar para conselho tutelar, mandar para a polícia. Isso é a morte da educação. Todos dizem que educar virou uma missão impossível. Então, fecha a bodega. Há um ninho de preconceitos e jargões nessa discussão. Liga para uma psicopedagoga e ela vai te dizer: “a criança padece de falta de limites”. Não podemos acusar a criança pelo que não sabemos fazer. Nós somos os educadores, caramba.
ZH – É necessária uma mudança de mentalidade?
Aquino – Tem um bando de educadores dizendo que não consegue educar. É a mesma coisa que você me dizer que não dá para ser jornalista no mundo de hoje. A educação é o setor mais em frangalhos no país, mas todo mundo acha que já fez a sua parte. Esse estado de calamidade interpessoal nas escolas não tem nada de trágico, nós é que provocamos. A educação que temos é a que nós fizemos. A mudança de mentalidade só se faz com choque de ideias. Não vou compactuar com o discurso de que as novas gerações são doentes. Então vamos parar de ter filhos. Ou só o filho dos outros que é doente? Me recuso a culpar as novas gerações."
Ler mais: http://www.clicrbs.com.br/especial/rs/oxdaeducacao/19,0,2426217,Me-recuso-a-culpar-as-novas-geracoes.html
A Indisciplina nas Escolas
quinta-feira, 28 de janeiro de 2010
Publicada por Maria Dulce Alves à(s) 10:49 0 comentáriosEtiquetas: Educação, escola, estado do mundo, gestão escolar, ser professor
Pedagogia do oprimido
“Sendo fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo. Daí que seja essencialmente
tarefa de sujeitos e que não possa verificar-se na relação de dominação. Nesta, o que há é
patologia de amor: sadismo em quem domina; masoquismo nos dominados. Amor, não. Porque
é um ato de coragem, nunca de medo, o amor é compromisso com os homens. Onde quer que
estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em comprometer-se com sua causa. A causa de
sua libertação. Mas, este compromisso, porque é amoroso, é dialógico.
Como ato de valentia, não pode ser piegas; como ato de liberdade, não pode ser pretexto
para a manipulação, senão gerador de outros atos de liberdade. A não ser assim, não é amor.
Somente com a supressão da situação opressora é possível restaurar o amor que nela
estava proibido.
Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o
diálogo.
Não há, por outro lado, diálogo, se não há humildade. A pronúncia do mundo, com que
os homens o recriam permanente-mente, não pode ser um ato arrogante.
O diálogo, como encontro dos homens para a tarefa comum de saber agir, se rompe, se
seus pólos (ou um deles) perdem a humildade.
Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca em
mim?
Como posso dialogar, se me admito como um homem diferente, virtuoso por herança,
diante dos outros, meios “isto”, em quem não reconheço outros eu?
Como posso dialogar, se me sinto participante de um gueto de homens puros, donos da
verdade e do saber, para quem todos os que estão fora são “essa gente”, ou são “nativos
inferiores”?
Como posso dialogar, se parto de que a pronúncia do mundo é tarefa de homens seletos
e que a presença das massas na história é sina] de sua deterioração que devo evitar?
Como posso dialogar, se me fecho à contribuição dos outros, que jamais reconheço, e
até me sinto ofendido com ela?
Como posso dialogar se temo a superação e se, só em pensar nela, sofro e definho?
A auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não têm humildade ou a
perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus companheiros de pronúncia do
mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe
falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de
encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que, em comunhão,
buscam saber mais.” – retirado do livro PEDAGOGIA DO OPRIMIDO – PAULO FREIRE,
EDITORA PAZ E TERRA
terça-feira, 19 de janeiro de 2010
Publicada por Maria Dulce Alves à(s) 13:09 1 comentáriosEtiquetas: Educação, escola, filosofia, gestão escolar, homem, interculturalidade
Energia Livre
Etiquetas: Desenvolvimento Sustentável, economia, Educação, Energia, escola, gestão escolar
Pensando sobre o ensino
Pergunto-me por que motivo não serão os alunos consultados sobre matérias que lhes dizem directamente respeito… porque motivo não colaboram os alunos na elaboração dos planos de ensino? Por que motivo existem tantas reuniões de professores sem a participação dos alunos? Por que motivo são os professores avaliados somente por outros professores e não também por alunos?
Assumimos que os alunos não têm a sapiência necessária para efectuar avaliações correctas sobre o mundo que os rodeia, esquecendo que a lógica e o sentido crítico de crianças e adolescentes - porque ainda não contaminados com as deturpações necessárias ao enquadramento no mundo (dos adultos) que temos – são muito mais sagazes e objectivos que os nossos.
Consultar os alunos no que lhes diz respeito, desenvolve o sentimento de pertença e responsabilização e legitima a posição do professor.
A priori, parecerá perverso que os alunos possam ter voto na escolha das matérias ou na elaboração dos horários mas só enquanto virmos o ensino como uma submissão do princípio da realidade ao princípio do prazer.
Parecerá perverso haver uma avaliação dos professores por parte dos alunos, mas só enquanto o conceito de avaliação permanecer encerrado numa lógica de classificação, de julgamento e de exercício de poder.
quarta-feira, 13 de janeiro de 2010
Publicada por Maria Dulce Alves à(s) 13:42 0 comentáriosEtiquetas: Educação, escola, gestão escolar
A Escola. A tempo de quê?
___
Educar é uma responsabilidade colectiva, não deve interessar apenas aos que são pais e a todos os que, bem ou mal, se designam como educadores. É a sociedade como um todo que está implicada no processo educativo. Assim sendo não faz sentido que a Escola seja encarada como uma instituição fechada,anomicamente alheia ao tempo, com processos rígidos de transmissão (de saberes e de valores), encravada no tecido social como um corpo estranho, instaurando-se como um espaço onde a individualidade deve ser domesticada, higienizada,regulamentada desde muito cedo.
Agostinho da Silva lembra-nos que, etimologicamente, 'escola' significa 'tempo livre'. Mas o que é que acontece ao tempo dentro da escola? É instrumentalizado em função da rotina pavloviana imposta por toques de campainha, numa segmentação da duração em blocos estanques, obrigando os alunos e os professores a sujeitarem-se a uma sequência mecânica e repetitiva, de todo alheia aos ritmos da atenção integradora, da memória significativa e significante, da imaginação criativa, enfim, aos ritmos do crescimento individual que são sempre únicos e obedecem a um dinamismo integral a que a escola não atende e pode atéobstaculizar.
O tempo da escola é desumano, artificial, submetido aos padrões da industrialização da vida que se foi impondo como o único paradigma a ser seguido na formação dos indivíduos.
A (in)temporalidade dos afectos é fundamental para um crescimento harmonioso, em todas as etapas da vida. Por isso a escola não deve estar acantonada numa concepção de educação assente numa intencionalidade social massificadora e constringente.
Não faz sentido fazer assentar toda a política educativa num sistema compulsivo, obrigatório para todos segundo padrões rígidos,massificados, constringentes e fomentadores duma subjectividade formada pela sujeição daquilo mesmo que torna os indivíduos únicos, a sua centelha-liberdade espiritual, à exteriorização da vontade, submetida a uma causalidade heteronómica e a subjugação da inteligência à unidimensionalidade intelectiva.
Mas com isto não estou a defender que se abdique da exigência duma educação de qualidade para todos, primeiro garante da igualdade de oportunidades, mas que se coloque este desiderato no centro das políticas educativas, de acordo com os seguintes princípios:
a) A educação é uma responsabilidade colectiva, de toda a sociedade e implica todos os cidadãos;
b) A educação deve ser a via de cumprimento do dever social de propiciar a cada indivíduo os meios para a sua apropriação de si e para o pleno desenvolvimento do seu potencial, a todos os níveis;
c) A educação é um direito inalienável de cada ser humano;
d) A educação deve exercer-se em liberdadede forma a que cada pessoa se possa desenvolver dentro dum enquadramento ecológico harmonioso.
Comecemos pelo ponto d): construir escolas ultra-modernas sem mexer no tecido social envolvente só por si não é suficiente. O que tem que ser trabalhado e melhorado para melhorar a qualidade do processo educativo é o próprio meio social em que se dá o processo educativo. A existência de guetos, de bairros sociais construídos sem qualquer perspectiva humanística, a estruturação de espaços sociais desvinculados duma sociabilidade integradora e promotora da justiça social e da convivência como esteio duma cidadania plenificante , não permite que o processo educativo atinja aquele que deveria ser o seu principal objectivo: ajudar a que cada homem consiga "ser ele próprio". E aqui há que ter em conta que o 'próprio' de cada um não tem que estar de acordo com a minha apropriação da realidade. O sentido do ser próprio inerente a cada ser espiritual é inesgotável e superabundante.
Sendo assim é insustentável que a família e a escola funcionem de acordo com lógicas díspares e, muitas vezes, conflituantes. É óbvio que tem que se atender às situações de desestruturação familiar, e aí a sociedade tem que cumprir o seu dever duma forma muito mais aceitável em termos humanos do que acontece hoje.
As famílias devem sentir-se apoiadas nas decisões que autonomamente tomem em relação à educação das suas crianças. Em primeiro lugar a educação doméstica não deve ser desincentivada. As famílias não devem sentir-se obrigadas ainstitucionalizar as suas crianças, sentindo a necessidade de as educar no seu seio. A protecção á infância deve ir ao ponto de colocar o direito à educação acima da produtividade laboral. Não que as pessoas não possam ter uma carreiraprofissional se tiverem filhos, mas que se lhes dê tempo para se dedicarem aos filhos, se for essa a sua inclinação, independentemente do seu sexo.
A actual tendência para o aumento dos horários laborais é verdadeiramente preocupante, não só por estar associada a uma cada vez maiorprecariedade laboral e a uma miserável remuneração do trabalho, mas porque retira tempo à família para se desenvolver ao ritmo do crescimento das suas crianças.
Mas este depauperamento ontológico dos indivíduos levado a cabo pela desumanização das actividades de produção, tem reflexos que vão muito além da vida familiar: é a cidadania na sua globalidade que é diminuída. As pessoas têm que ter a possibilidade de participarem na vida das comunidades a que pertencem. Isso leva a que tenha que procurar combater-se a lógica das urbanizações-dormitório que leva a que se criem autênticos desertos de cidadania, sem vida cultural, sem energias próprias, sem uma vontade colectiva que se faça sentir junto dos órgãos de soberania que acabam por funcionar como mecanismos de regulação social sem um alcance verdadeiramente político.
As colectividades que ainda existem e que têm impacto na dita cultura popular, devem ser estimuladas e incentivadas a expandirem o âmbito das suas actividades. Esta pode ser uma via para a criação de emprego social, que deve ser qualificado e encarado como uma prioridade, com vista a debelar o flagelo do desemprego estrutural, nascido não das crises económicas, mas da forma como o capitalismo reconfigura os sistemas de produção - muito do desemprego gerado no contexto da actual crise económica é estrutural e não meramente conjuntural e a sociedade como um todo, enquanto corpo político, não pode ficar indiferente a isso.
Se queremos uma sociedade cada vez mais democrática temos que promover um aumento da qualidade da cidadania participativa. O cidadão não deve ser encarado como um cliente dos diversos serviços do Estado, mas como um agente da soberania que legitima o Estado. Não é na sua qualidade de eleitor, absolutamente necessária eimprescindível, que o cidadão está investido da soberania, mas em todos os actos da sua vida enquanto membro da sociedade.
A base da vida política deve ser a autonomia de cada pessoa e é essa autonomia que a torna capaz de cidadania. Sendo assim cada pessoa deve ser encarada como membro efectivo do corpo político,independentemente da sua idade.
Tendencialmente a idade legal para votar deve diminuir e todos os indivíduos devem ter acesso à cidadania plena, independentemente da sua origem étnica ou nacional.
Ora, o primeiro espaço de exercício da cidadania que deve ser objecto dum investimento político de requalificação das instituições sociais, deve ser a escola.
E como?
Em primeiro lugar, pela redefinição do conceito de autarquia local - não só as actuais autarquias locais deveriam ser reformuladas (há freguesias extensissimas, concelhos mal dimensionados, etc.), como o exercício do poder autárquico devia estar aberto a diferentes modalidades de participação política dos cidadãos.
A escola deveria ser re-apropriada pelos cidadãos, ou seja, pelas comunidades de base. Não há razão para a gestão das escolas não estar democraticamente aberta às comunidades de base que, mais do que poderem eleger alguns membros dos órgãos de gestão das escolas, deveriam efectivamente poder tomar decisões estruturantes quanto aos projectos educativos, à contratação dos profissionais, à forma como a escola se estrutura pedagogicamente e, também, aos objectivos principais do processo educativo.
A escola não deveria ter muros, não pode ser um corpo estranho dentro dum tecido social moribundo.
E as famílias deveriam ter um papel muito mais interventivo nas decisões pedagógicas. É óbvio que estamos a projectar-nos num horizonte ideal. Mas podia começar-se por uma base realista: as escolas existentes tornarem-se verdadeiramente democráticas e participativas. Algo que está a ser completamente contrariado pelas actuais políticas educativas.
É preocupante que as escolas públicas portuguesas não sejam incentivadas a implementar as novas pedagogias, ou em assumir-se como instâncias de experimentação pedagógica. Isso diminui o leque de escolha que as famílias têm em relação à educação das suas crianças e dos seus jovens.
segunda-feira, 4 de janeiro de 2010
Publicada por Paulo Feitais à(s) 18:36 1 comentáriosEtiquetas: Educação, escola, gestão escolar
A Indisciplina nas Escolas
Professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, em São Paulo, Julio Groppa Aquino, 45 anos, desde o ano passado se incumbe de uma pesquisa monumental com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): compilar e analisar toda a produção acadêmica brasileira sobre disciplina escolar surgida desde os anos 80. Com dois livros já publicados sobre o assunto, o especialista se considera uma voz dissonante em relação ao coro de educadores que vê nos alunos a origem dos conflitos em sala de aula.
Perguntado sobre como resolver os problemas de indisciplina nas escolas:
"Aquino – Precisam ser resolvidos criativamente. Eu não tenho uma fórmula pronta para isso. É como querer resolver um problema conjugal. O que eu posso fazer é discutir o princípio, o princípio democrático das escolas. Quando educadores, em quase sua totalidade, dizem que não estamos sabendo lidar com as crianças, isso não é estranho? Não podemos dizer que elas não têm jeito. Há um subtexto conspiratório contra a criança e a juventude de parte dos educadores e repetido pela mídia.
ZH – Quais as consequências?
Aquino – Dizem que precisamos excluir crianças, mandar para conselho tutelar, mandar para a polícia. Isso é a morte da educação. Todos dizem que educar virou uma missão impossível. Então, fecha a bodega. Há um ninho de preconceitos e jargões nessa discussão. Liga para uma psicopedagoga e ela vai te dizer: “a criança padece de falta de limites”. Não podemos acusar a criança pelo que não sabemos fazer. Nós somos os educadores, caramba.
ZH – É necessária uma mudança de mentalidade?
Aquino – Tem um bando de educadores dizendo que não consegue educar. É a mesma coisa que você me dizer que não dá para ser jornalista no mundo de hoje. A educação é o setor mais em frangalhos no país, mas todo mundo acha que já fez a sua parte. Esse estado de calamidade interpessoal nas escolas não tem nada de trágico, nós é que provocamos. A educação que temos é a que nós fizemos. A mudança de mentalidade só se faz com choque de ideias. Não vou compactuar com o discurso de que as novas gerações são doentes. Então vamos parar de ter filhos. Ou só o filho dos outros que é doente? Me recuso a culpar as novas gerações."
Ler mais: http://www.clicrbs.com.br/especial/rs/oxdaeducacao/19,0,2426217,Me-recuso-a-culpar-as-novas-geracoes.html
Pedagogia do oprimido
tarefa de sujeitos e que não possa verificar-se na relação de dominação. Nesta, o que há é
patologia de amor: sadismo em quem domina; masoquismo nos dominados. Amor, não. Porque
é um ato de coragem, nunca de medo, o amor é compromisso com os homens. Onde quer que
estejam estes, oprimidos, o ato de amor está em comprometer-se com sua causa. A causa de
sua libertação. Mas, este compromisso, porque é amoroso, é dialógico.
Como ato de valentia, não pode ser piegas; como ato de liberdade, não pode ser pretexto
para a manipulação, senão gerador de outros atos de liberdade. A não ser assim, não é amor.
Somente com a supressão da situação opressora é possível restaurar o amor que nela
estava proibido.
Se não amo o mundo, se não amo a vida, se não amo os homens, não me é possível o
diálogo.
Não há, por outro lado, diálogo, se não há humildade. A pronúncia do mundo, com que
os homens o recriam permanente-mente, não pode ser um ato arrogante.
O diálogo, como encontro dos homens para a tarefa comum de saber agir, se rompe, se
seus pólos (ou um deles) perdem a humildade.
Como posso dialogar, se alieno a ignorância, isto é, se a vejo sempre no outro, nunca em
mim?
Como posso dialogar, se me admito como um homem diferente, virtuoso por herança,
diante dos outros, meios “isto”, em quem não reconheço outros eu?
Como posso dialogar, se me sinto participante de um gueto de homens puros, donos da
verdade e do saber, para quem todos os que estão fora são “essa gente”, ou são “nativos
inferiores”?
Como posso dialogar, se parto de que a pronúncia do mundo é tarefa de homens seletos
e que a presença das massas na história é sina] de sua deterioração que devo evitar?
Como posso dialogar, se me fecho à contribuição dos outros, que jamais reconheço, e
até me sinto ofendido com ela?
Como posso dialogar se temo a superação e se, só em pensar nela, sofro e definho?
A auto-suficiência é incompatível com o diálogo. Os homens que não têm humildade ou a
perdem, não podem aproximar-se do povo. Não podem ser seus companheiros de pronúncia do
mundo. Se alguém não é capaz de sentir-se e saber-se tão homem quanto os outros, é que lhe
falta ainda muito que caminhar, para chegar ao lugar de encontro com eles. Neste lugar de
encontro, não há ignorantes absolutos, nem sábios absolutos: há homens que, em comunhão,
buscam saber mais.” – retirado do livro PEDAGOGIA DO OPRIMIDO – PAULO FREIRE,
EDITORA PAZ E TERRA
Energia Livre
Pensando sobre o ensino
Assumimos que os alunos não têm a sapiência necessária para efectuar avaliações correctas sobre o mundo que os rodeia, esquecendo que a lógica e o sentido crítico de crianças e adolescentes - porque ainda não contaminados com as deturpações necessárias ao enquadramento no mundo (dos adultos) que temos – são muito mais sagazes e objectivos que os nossos.
Consultar os alunos no que lhes diz respeito, desenvolve o sentimento de pertença e responsabilização e legitima a posição do professor.
A priori, parecerá perverso que os alunos possam ter voto na escolha das matérias ou na elaboração dos horários mas só enquanto virmos o ensino como uma submissão do princípio da realidade ao princípio do prazer.
Parecerá perverso haver uma avaliação dos professores por parte dos alunos, mas só enquanto o conceito de avaliação permanecer encerrado numa lógica de classificação, de julgamento e de exercício de poder.
A Escola. A tempo de quê?

___
Educar é uma responsabilidade colectiva, não deve interessar apenas aos que são pais e a todos os que, bem ou mal, se designam como educadores. É a sociedade como um todo que está implicada no processo educativo. Assim sendo não faz sentido que a Escola seja encarada como uma instituição fechada,anomicamente alheia ao tempo, com processos rígidos de transmissão (de saberes e de valores), encravada no tecido social como um corpo estranho, instaurando-se como um espaço onde a individualidade deve ser domesticada, higienizada,regulamentada desde muito cedo.
Agostinho da Silva lembra-nos que, etimologicamente, 'escola' significa 'tempo livre'. Mas o que é que acontece ao tempo dentro da escola? É instrumentalizado em função da rotina pavloviana imposta por toques de campainha, numa segmentação da duração em blocos estanques, obrigando os alunos e os professores a sujeitarem-se a uma sequência mecânica e repetitiva, de todo alheia aos ritmos da atenção integradora, da memória significativa e significante, da imaginação criativa, enfim, aos ritmos do crescimento individual que são sempre únicos e obedecem a um dinamismo integral a que a escola não atende e pode atéobstaculizar.
O tempo da escola é desumano, artificial, submetido aos padrões da industrialização da vida que se foi impondo como o único paradigma a ser seguido na formação dos indivíduos.
A (in)temporalidade dos afectos é fundamental para um crescimento harmonioso, em todas as etapas da vida. Por isso a escola não deve estar acantonada numa concepção de educação assente numa intencionalidade social massificadora e constringente.
Não faz sentido fazer assentar toda a política educativa num sistema compulsivo, obrigatório para todos segundo padrões rígidos,massificados, constringentes e fomentadores duma subjectividade formada pela sujeição daquilo mesmo que torna os indivíduos únicos, a sua centelha-liberdade espiritual, à exteriorização da vontade, submetida a uma causalidade heteronómica e a subjugação da inteligência à unidimensionalidade intelectiva.
Mas com isto não estou a defender que se abdique da exigência duma educação de qualidade para todos, primeiro garante da igualdade de oportunidades, mas que se coloque este desiderato no centro das políticas educativas, de acordo com os seguintes princípios:
a) A educação é uma responsabilidade colectiva, de toda a sociedade e implica todos os cidadãos;
b) A educação deve ser a via de cumprimento do dever social de propiciar a cada indivíduo os meios para a sua apropriação de si e para o pleno desenvolvimento do seu potencial, a todos os níveis;
c) A educação é um direito inalienável de cada ser humano;
d) A educação deve exercer-se em liberdadede forma a que cada pessoa se possa desenvolver dentro dum enquadramento ecológico harmonioso.
Comecemos pelo ponto d): construir escolas ultra-modernas sem mexer no tecido social envolvente só por si não é suficiente. O que tem que ser trabalhado e melhorado para melhorar a qualidade do processo educativo é o próprio meio social em que se dá o processo educativo. A existência de guetos, de bairros sociais construídos sem qualquer perspectiva humanística, a estruturação de espaços sociais desvinculados duma sociabilidade integradora e promotora da justiça social e da convivência como esteio duma cidadania plenificante , não permite que o processo educativo atinja aquele que deveria ser o seu principal objectivo: ajudar a que cada homem consiga "ser ele próprio". E aqui há que ter em conta que o 'próprio' de cada um não tem que estar de acordo com a minha apropriação da realidade. O sentido do ser próprio inerente a cada ser espiritual é inesgotável e superabundante.
Sendo assim é insustentável que a família e a escola funcionem de acordo com lógicas díspares e, muitas vezes, conflituantes. É óbvio que tem que se atender às situações de desestruturação familiar, e aí a sociedade tem que cumprir o seu dever duma forma muito mais aceitável em termos humanos do que acontece hoje.
As famílias devem sentir-se apoiadas nas decisões que autonomamente tomem em relação à educação das suas crianças. Em primeiro lugar a educação doméstica não deve ser desincentivada. As famílias não devem sentir-se obrigadas ainstitucionalizar as suas crianças, sentindo a necessidade de as educar no seu seio. A protecção á infância deve ir ao ponto de colocar o direito à educação acima da produtividade laboral. Não que as pessoas não possam ter uma carreiraprofissional se tiverem filhos, mas que se lhes dê tempo para se dedicarem aos filhos, se for essa a sua inclinação, independentemente do seu sexo.
A actual tendência para o aumento dos horários laborais é verdadeiramente preocupante, não só por estar associada a uma cada vez maiorprecariedade laboral e a uma miserável remuneração do trabalho, mas porque retira tempo à família para se desenvolver ao ritmo do crescimento das suas crianças.
Mas este depauperamento ontológico dos indivíduos levado a cabo pela desumanização das actividades de produção, tem reflexos que vão muito além da vida familiar: é a cidadania na sua globalidade que é diminuída. As pessoas têm que ter a possibilidade de participarem na vida das comunidades a que pertencem. Isso leva a que tenha que procurar combater-se a lógica das urbanizações-dormitório que leva a que se criem autênticos desertos de cidadania, sem vida cultural, sem energias próprias, sem uma vontade colectiva que se faça sentir junto dos órgãos de soberania que acabam por funcionar como mecanismos de regulação social sem um alcance verdadeiramente político.
As colectividades que ainda existem e que têm impacto na dita cultura popular, devem ser estimuladas e incentivadas a expandirem o âmbito das suas actividades. Esta pode ser uma via para a criação de emprego social, que deve ser qualificado e encarado como uma prioridade, com vista a debelar o flagelo do desemprego estrutural, nascido não das crises económicas, mas da forma como o capitalismo reconfigura os sistemas de produção - muito do desemprego gerado no contexto da actual crise económica é estrutural e não meramente conjuntural e a sociedade como um todo, enquanto corpo político, não pode ficar indiferente a isso.
Se queremos uma sociedade cada vez mais democrática temos que promover um aumento da qualidade da cidadania participativa. O cidadão não deve ser encarado como um cliente dos diversos serviços do Estado, mas como um agente da soberania que legitima o Estado. Não é na sua qualidade de eleitor, absolutamente necessária eimprescindível, que o cidadão está investido da soberania, mas em todos os actos da sua vida enquanto membro da sociedade.
A base da vida política deve ser a autonomia de cada pessoa e é essa autonomia que a torna capaz de cidadania. Sendo assim cada pessoa deve ser encarada como membro efectivo do corpo político,independentemente da sua idade.
Tendencialmente a idade legal para votar deve diminuir e todos os indivíduos devem ter acesso à cidadania plena, independentemente da sua origem étnica ou nacional.
Ora, o primeiro espaço de exercício da cidadania que deve ser objecto dum investimento político de requalificação das instituições sociais, deve ser a escola.
E como?
Em primeiro lugar, pela redefinição do conceito de autarquia local - não só as actuais autarquias locais deveriam ser reformuladas (há freguesias extensissimas, concelhos mal dimensionados, etc.), como o exercício do poder autárquico devia estar aberto a diferentes modalidades de participação política dos cidadãos.
A escola deveria ser re-apropriada pelos cidadãos, ou seja, pelas comunidades de base. Não há razão para a gestão das escolas não estar democraticamente aberta às comunidades de base que, mais do que poderem eleger alguns membros dos órgãos de gestão das escolas, deveriam efectivamente poder tomar decisões estruturantes quanto aos projectos educativos, à contratação dos profissionais, à forma como a escola se estrutura pedagogicamente e, também, aos objectivos principais do processo educativo.
A escola não deveria ter muros, não pode ser um corpo estranho dentro dum tecido social moribundo.
E as famílias deveriam ter um papel muito mais interventivo nas decisões pedagógicas. É óbvio que estamos a projectar-nos num horizonte ideal. Mas podia começar-se por uma base realista: as escolas existentes tornarem-se verdadeiramente democráticas e participativas. Algo que está a ser completamente contrariado pelas actuais políticas educativas.
É preocupante que as escolas públicas portuguesas não sejam incentivadas a implementar as novas pedagogias, ou em assumir-se como instâncias de experimentação pedagógica. Isso diminui o leque de escolha que as famílias têm em relação à educação das suas crianças e dos seus jovens.
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Manifesto
Aqui se apresenta a proposta de um cidadão português que, no decurso da sua docência universitária, obra publicada e intervenção cultural, tem seguido com interesse e preocupação os rumos recentes de Portugal e do mundo. Convicto de que urge refundar Portugal, eis uma lista de prioridades para o país e o mundo melhor a que temos direito e que todos temos o dever de construir. Agradecem-se os contributos críticos, de modo a que a proposta se aperfeiçoe e complete e sirva de plataforma para a discussão pública e a intervenção cultural e cívica que visa, pelos meios que se verificarem ser os mais oportunos.
I – Portugal é uma nação que, pela diáspora planetária da sua história e cultura, pela situação geográfica e pela língua, com 240 milhões de falantes em toda a comunidade lusófona, tem a potencialidade de ser uma nação cosmopolita, uma nação de todo o mundo, que estabeleça pontes, mediações e diálogos entre todos os povos, culturas e civilizações. Este perfil vocaciona-nos para o cultivo dos valores mais universalistas, promovendo o diálogo com todas as culturas mundiais. Os valores mais universalistas são aqueles que promovam o melhor possível para todos, uma cultura da paz, da compreensão e da fraternidade à escala planetária, visando não apenas o bem da espécie humana, mas também a preservação da natureza e do bem-estar de todas as formas de vida animal, como condição da própria qualidade e dignidade da vida humana.
II – O nosso potencial universalista tem sido sistematicamente ignorado pelas nossas orientações governativas, desde a época dos Descobrimentos até hoje. Se no passado predominou a pretensão de dilatar a Fé e o Império, hoje predomina a sujeição da nação aos novos senhores do mundo, as grandes esferas de interesses político-económicos. Portugal está ao serviço da globalização de um paradigma de desenvolvimento económico-tecnológico que explora desenfreadamente os recursos naturais e instrumentaliza homens e animais, donde resulta um enorme sofrimento, um fosso crescente entre homens, classes, povos e nações, a redução da biodiversidade e o arrastar do planeta para uma crise sem precedentes.
III – A assunção do nosso potencial universalista implica uma reforma das mentalidades, com plena expressão ética, cultural, social, política e económica. Nesse sentido se propõem as seguintes medidas urgentes, que visam implementar entre nós um novo paradigma, convergente com as melhores aspirações humanas e com os grandes desafios deste início do século XXI:
1 – Portugal deve dar prioridade absoluta a um desenvolvimento económico sustentado, que salvaguarde a harmonia ecológica e o bem-estar da população humana e animal. A Constituição da República Portuguesa deve consagrar a senciência dos animais – a sua capacidade de sentir dor e prazer - e o seu direito à vida e ao bem-estar. Portugal deve aprender com a legislação das nações europeias mais evoluídas neste domínio, adaptando-a à realidade nacional.
2 – Portugal deve ensaiar modelos de desenvolvimento alternativos, que preservem e promovam a diversidade cultural, biológica e ecoregional. Há que promover a sustentabilidade económica do país, desenvolvendo as economias locais. Devem-se substituir quanto possível as energias não-renováveis (petróleo, carvão, gás natural, energia nuclear), por energias renováveis e alternativas (solar, eólica, hidráulica, marmotriz, etc.), superando o paradigma, a vulnerabilidade e as dependências de uma economia baseada no petróleo e nos hidrocarbonetos. Deve-se particularmente explorar as potencialidades energéticas dos nossos mais de 900 km de costa.
3 - Devem-se ensaiar formas de organização económica cujo objectivo fundamental não seja apenas o lucro financeiro. Deve-se assegurar o predomínio da ética e da política sobre a economia, de modo a que a produção e distribuição da riqueza vise o bem comum do ecossistema e dos seres vivos, a satisfação das necessidades básicas dos homens e a melhoria geral da sua qualidade de vida, bem como o acesso de todos à educação e à cultura.
4 - Deve-se investir num programa pedagógico de redução das necessidades artificiais que permita oferecer alternativas ao produtivismo e consumismo, fazendo do trabalho e do desenvolvimento económico não um fim em si, com o inevitável dano da harmonia ecológica, da biodiversidade e do bem-estar de homens e animais, mas um mero meio para a fruição de um crescente tempo livre de modo mais gratificante e criativo. Deve-se fiscalizar mais rigorosamente o crédito ao consumo, de forma a evitar o crescente endividamento das famílias.
5 – Há que criar um serviço público de saúde eficiente e acessível a todos, que inclua a possibilidade de optar por medicinas e terapias alternativas, de qualidade e eficácia comprovada, como a homeopatia, a acupunctura, a osteopatia, o shiatsu, o yoga, a meditação, etc. Estas opções, bem como os medicamentos naturais e alternativos, devem ser igualmente comparticipadas pelo Estado.
6 – Importa informar e sensibilizar a população para os efeitos nocivos de vários hábitos alimentares - nomeadamente o consumo excessivo de carne - , para o meio ambiente, a saúde pública e o bem-estar de homens e animais. Sendo uma das principais causas do aquecimento global, do esgotamento dos recursos naturais e do sofrimento dos animais, há que restringir e criar alternativas à agropecuária intensiva. Deve-se divulgar a possibilidade de se viver saudavelmente com uma alimentação não-carnívora, vegetariana ou vegan e devem-se reduzir os impostos sobre os produtos de origem natural e biológica.
7 - Portugal, a par do desenvolvimento económico sustentado, deve investir sobretudo nos domínios da saúde, da educação e da cultura, não só tecnológica, mas filosófica, literária, artística e científica. O Orçamento do Estado deve reflectir isso, reduzindo os gastos com a Defesa, o Exército e as obras públicas de fachada. Urge moralizar e reduzir os salários e reformas de presidentes, ministros, deputados e detentores de cargos na administração pública e privada, a par do aumento dos impostos sobre os grandes rendimentos.
8 - Redignificar, com exigência, os professores e todos os profissionais ligados à educação e à cultura. A educação e a cultura não devem estar dependentes de critérios economicistas e das flutuações do mercado de emprego. Os vários níveis de ensino visarão a formação integral da pessoa, não a sacrificando a uma mera funcionalização profissional. A par disto, há que sensibilizar as famílias para não abandonarem as crianças em frente dos computadores e dos maus programas de televisão. A televisão pública deve melhorar o seu nível, investindo mais em programas de informação e formação.
Nos vários níveis de ensino deve ser introduzida uma disciplina que sensibilize para o respeito pela natureza, a vida humana e a vida animal, bem como outra que informe sobre a diversidade de paradigmas culturais, morais e religiosos coexistentes nas sociedades contemporâneas. Nos mesmos níveis de ensino deve estar presente a cultura portuguesa e lusófona, bem como as várias culturas planetárias. Um português culto e bem formado deve ter uma consciência lusófona e universal, não apenas europeia-ocidental.
A meditação, com benefícios científicamente reconhecidos - quanto ao equilíbrio e saúde psicofisiológicos, ao aumento da concentração e da memória, à melhoria na aprendizagem, à maior eficiência no trabalho e à harmonia nas relações humanas - , deve ser facultada em todos os níveis dos currículos escolares, em termos puramente laicos, sem qualquer componente religiosa.
9 - Portugal deve assumir-se na primeira linha da defesa dos direitos humanos e dos seres vivos em todos os pontos do planeta em que sejam violados, sem obedecer a pressões políticas ou económicas internacionais. Portugal deve ser um lugar de bom acolhimento para todos os emigrantes e estrangeiros que o procurem para trabalhar e viver.
10 – Portugal deve aprofundar as relações culturais, económicas e políticas com as nações de língua portuguesa, incluindo a região da Galiza, Goa, Damão, Diu, Macau e os outros lugares da nossa diáspora onde se fala o português, sensibilizando a comunidade lusófona para as causas universais, ambientais, humanitárias e animais.
11 - Portugal deve promover a Lusofonia e os valores universalistas da cultura portuguesa e lusófona no mundo, dando o seu melhor exemplo e contributo para converter a sociedade planetária na possível comunidade ético-cultural e ecuménica visada entre nós por Luís de Camões, Padre António Vieira, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva. Portugal deve assumir-se como um espaço multicultural e de convivência com a diversidade, um espaço privilegiado para o tão actual desafio do diálogo intercultural e inter-religioso, alargado ao diálogo entre crentes e descrentes. Deve precaver-se contudo de tentações neo-imperialistas e de qualquer nacionalismo lusófono ou lusocêntrico. A Lusofonia não deve abafar outras línguas e culturas que existam no seu espaço.
12 - Verifica-se haver em Portugal e na Europa em geral uma grave crise de representação eleitoral, patente na elevada abstenção e descrédito dos políticos, dos partidos e da política, os quais, segundo a opinião geral, apenas promovem o acesso ao poder de indivíduos e grupos que sacrificam o bem comum a interesses pessoais e particulares, com destaque para os das grandes forças económicas. As eleições são assim sistematicamente ganhas por representantes de minorias, relativamente à totalidade dos cidadãos eleitores, que governam isolados da maioria real das populações, que os consideram com alheamento, desconfiança e desprezo, tornando-se vítimas passivas das suas políticas. O actual sistema eleitoral também não promove a melhor justiça representativa, não facilitando a representação de uma maior diversidade de forças políticas e limitando-a às organizações partidárias, o que contribui para a instrumentalização do aparelho de Estado, dos lugares de decisão político-económica e da comunicação social pelos grandes partidos.
Esta é uma situação que compromete seriamente a democracia e que a história ensina anteceder todas as tentativas de soluções ditatoriais. Há que regenerar a democracia em Portugal, reformando o estado e o sistema eleitoral segundo modelos que fomentem a mais ampla participação e intervenção política da sociedade civil, facilitando a representação de novas forças políticas e possibilitando que cidadãos independentes concorram às eleições. Deve-se recuperar a tradição municipalista portuguesa e promover uma regionalização e descentralização administrativa equilibradas, assegurando mecanismos de prevenção e controlo dos despotismos locais.
Há que colocar a política ao serviço da ética e da cultura e mobilizar a população para a intervenção cívica e política em torno dos desafios fundamentais do nosso tempo, com destaque para a protecção da natureza, o bem-estar dos seres vivos e uma nova consciência planetária. Há que mobilizar os cidadãos indiferentes e descrentes da vida política, a enorme percentagem de abstencionistas e todos aqueles que se limitam a votar, para a responsabilidade de reflectirem, discutirem e criarem o melhor destino a dar à nação. Há que, dentro dos quadros democráticos e legais, promover formas alternativas de intervenção cultural, social e cívica, que permitam antecipar tanto quanto possível a realidade desejada, sem depender dos poderes instituídos.
Convicto de que estas medidas permitirão que Portugal recupere o pioneirismo e criatividade que o caracterizou no impulso dos Descobrimentos, mas agora sem escravizar e explorar outros povos, apelo a que todos dêem o vosso contributo para a discussão, aperfeiçoamento e divulgação deste Manifesto. De todos nós depende que ele se constitua na plataforma de um movimento cívico e cultural de reflexão e acção, que nos arranque ao comodismo e passividade em que estamos instalados.
Por um Outro Portugal!
Contribuidores
- Ana Moreira
- Ana Rodrigues
- Bernardo Almeida
- Dr Carlos Gonçalves
- Duarte D. Braga
- Duarte
- Estudo Geral
- Fernando Emídio
- Gil
- Glimpse
- Helena Caetano
- Isabel Rosete
- Isabel Santiago
- João Beato
- João Lopes Aguiar
- José Magalhães
- Luís Miguel Dantas
- Luis Resina
- Luis Resina
- MJC
- Margarida
- Maria de Lourdes Teixeira Puga Alvarez
- Maribel Sobreira
- Maurícia Teles da Silva
- Minda
- Moysés
- P.F. Antunes
- Paulo Borges
- Pedro Miguel Estrela
- Pedro Paz
- Pedro Sena
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