Um espaço para reinventar Portugal como nação de todo o Mundo, que estabeleça pontes, mediações e diálogos entre todos os povos, culturas e civilizações e promova os valores mais universalistas, conforme o símbolo da Esfera Armilar. Há que visar o melhor possível para todos, uma cultura da paz, da compreensão e da fraternidade à escala planetária, orientada não só para o bem da espécie humana, mas também para a preservação da natureza e o bem-estar de todas as formas de vida sencientes.

"Nós, Portugal, o poder ser"

- Fernando Pessoa, Mensagem.

Mais do mesmo...


(composição de Hélène Sellier-Duplessis)


PRINCÍPIOS DO ME SOBRE A REVISÃO DO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE E A SUA ARTICULAÇÃO COM A AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO – Proposta apresentada pelo Ministério da Educação aos sindicatos


1) Estruturação da carreira docente:

  • Carreira única para os educadores de infância e para os professores dos ensinos básico e secundário;
  • Carreira com uma única categoria, sem divisão entre professores titulares e não titulares;
  • Desenvolvimento da carreira em 10 escalões;
  • Especialização funcional facultativa nos dois escalões do topo da carreira, para as funções de supervisão pedagógica, de gestão da formação, de desenvolvimento curricular e de avaliação, acessível, sob candidatura, aos docentes que possuam formação específica adequada.

2) Ingresso na carreira:

  • Ingresso na carreira dependente de qualificações adequadas, mérito e selectividade;
  • Selectividade no ingresso na carreira realiza-se através de uma prova pública de acesso e da aprovação no final de um período probatório de um ano, em que é obrigatória a observação de aulas e a avaliação da prática docente não lectiva.

3) Progressão na carreira e sua articulação com a avaliação de desempenho:

  • Acesso ao escalão imediatamente superior mediante a conjugação dos seguintes elementos: tempo de serviço, formação contínua ou especializada e mérito traduzido na classificação obtida na avaliação de desempenho, sem prejuízo da dimensão também formativa da avaliação;
  • O sistema de classificação e o regime dos efeitos da avaliação de desempenho continuarão a assegurar consequências efectivas da avaliação nas condições e no ritmo de progressão na carreira, sem prejuízo das adaptações necessárias à nova estruturação da carreira docente;
  • Independentemente dos normais ciclos de avaliação de dois anos, a avaliação com observação de aulas é condição de acesso ao 3º e ao 5º escalão, bem como ao 7º escalão quando tal observação não tenha tido lugar em nenhum dos ciclos anteriores. Se ao docente não estiver distribuído serviço lectivo, a avaliação requerida para o acesso aos escalões referidos inclui um relatório elaborado pelo director da escola;
  • As condições de progressão na carreira promovem a necessária selectividade da progressão, como forma de estimular e premiar um melhor desempenho, mediante a fixação anual de vagas para acesso ao 3º, ao 5º e ao 7º escalão.

4) Distribuição de responsabilidades funcionais:

  • A atribuição de funções de coordenação, orientação, supervisão pedagógica e avaliação são reservadas aos docentes posicionados a partir do 45 escalão da carreira, preferencialmente detentores de formação especializada e, de entre eles, sempre que possível aos docentes dos dois últimos escalões que tenham optado pela especialização funcional correspondente;
  • A Direcção de cada escola poderá, por motivo justificado, designar para as funções referidas no ponto anterior docentes posicionados no 39 escalão, desde que possuam formação especializada para o desempenho das funções em causa.

5) Regime transitório:

  • Transitoriamente, aos docentes que actualmente se encontram posicionados nos índices 299 e 340 aplicam-se as regras de progressão previstas no Decreto-Lei n.5 270/2009.

Download do PDF: Aqui

____

Numa primeira análise, esta proposta apresenta-se como uma mera operação de cosmética ao estipulado no actual Estatuto da Carreira Docente.

Aquele articulado legal tem na sua base uma intenção que nada tem que ver com a carreira docente e a sua articulação interna, no sentido de valorizar a prática docente. O primeiro governo chefiado pelo cidadão José Sócrates era um governo geneticamente deficitário (o actual é-o ainda mais, como se vê na sua exposição ao fogo lento das tribulações parlamentares): toda a sua acção girava em torno da ideia do défice excessivo – e aqui não deixa de ser interessante notar que foi o próprio governo que exigiu uma revisão dos números do défice, quando até a Comissão Europeia tinha sufragado os cambalachos orçamentais dos anteriores governos (de Portugal e do resto dos países da zona euro, uma vez que nenhum deles conseguiu alguma vez cumprir os critérios do Pacto de Estabilidade, sem uma boa dose de ilusionismo financeiro). Havia que assestar o fogo da artilharia socrática sobre tudo o que pudesse pôr em causa a suma sapiência dos novos governantes, caídos, todos eles dum limbo higienizador capaz de limpar as asas querubínicas do mais habilidoso dos sucateiros. A República transforma-se sorrateiramente numa sucata social e política. A reciclagem é actualmente a suprema arte de governação, faz bem ao espírito do eleitorado e ajuda a suportar o tédio dos dias que antecedem a morte, hoje o único acontecimento digno desse nome, uma vez que a existência humana está, digamos, plastinada pela especularidade do viver na clausura significante.

Ora, suas excelências (excedências?) encontraram, logo que tomaram posse, um panorama assustador na educação: a maioria dos professores aproximava-se do patamar mais elevado da carreira, tinha-se invertido a pirâmide salarial, os escalões cimeiros tinham muito mais professores do que os escalões de entrada. Mas é interessante notar que há milhares de professores impedidos de entrar na carreira e que, muitos deles, há mais de duas décadas que ganham de acordo com o mesmo índice e estão na mais absoluta precariedade. Mas pronto, havia que introduzir um estrangulamento na carreira docente para impedir a ascensão profissional de pelo menos dois terços dos professores, independentemente do seu mérito. O que importava era impedir a hecatombe orçamental que se antevia.

Então os peritos de serviço percorreram os sistemas educativos do mundo civilizado, querendo, de acordo com a sermonística oficial, aproximar a qualidade do sistema educativo português da excelência dos sistemas educativos nórdicos. Vai daí encontraram o que procuravam: o modelo de avaliação dos professores do Chile era o mais avançado do mundo. O destrambelho da bússola dos nautas do futuro brilhante da educação nacional não seria mais do que uma confirmação do acerto da demanda. Havia que traduzir os normativos chilenos em bom português (‘Era uma aventura na avaliação dos professores…’, dava um bom livro de aventuras…) e derrear os sindicatos e o atrevimento dos ‘professorzecos’ (esta expressão é do secretário de estado que, agora, foi escorraçado do governo, o outro estava a ver se não se queimava demasiado…) com uma série de simulacros de negociação.

A coisa ficou assim: foi instituído um estrangulamento na carreira que passou a ser dividida em dois patamares, aos quais corresponderiam duas categorias profissionais: a de ‘professor’ e a de ‘professor titular’. Para implementar a coisa foi aberto um concurso de acesso à categoria de professor titular que, na prática, acabou por aumentar de forma gritante o estrangulamento na progressão na carreira: entrou tudo o que pudesse provar o exercício de cargos. Quem se preocupou em dar aulas e em gastar o seu tempo na preparação das mesmas acabou preterido pelos sicários dos sistema (é óbvio que há muitos professores que dignificaram os cargos que exerceram). Houve muito choro e muita corrida aos certificados. O resultado é que houve pessoas que se incompatibilizaram por causa da subida ou não a titular e as vagas para titular acabaram por ficar congeladas para as próximas décadas, uma vez que a lei prevê que só um terço dos professores possa chegar a essa categoria. E houve coisas caricatas: como havia quotas para acesso a titular, diferenciadas por escola, houve professores que não conseguiram chegar lá, mesmo tendo muitos mais pontos do que os professores da escola ao lado, foi uma espécie de lotaria da Babilónia em versão histérica, os olhos da então Ministra, fechadamente escancarados, como de pitonisa obrigada a ler sinas na feira, ficarão para a história do grotesco nacional.

Que sentido tem dividir a carreira docente em duas categorias? O que é um professor ‘titular’? Titular de quê? Não deveriam todos os professores ser tutelares? Mas isso é já entrar no campo da ética, coisa em que convém não tocar.

A partir desse momento só os professores titulares poderiam exercer cargos de coordenação e supervisão pedagógica, o que matou a gestão democrática das escolas. Até então o exercício dos cargos dentro da escola, de todos sem excepção, estava dependente dum sufrágio pelos pares: os professores elegiam livremente os seus representantes de grupo e de departamento, bem como os diversos coordenadores, como, por exemplo, os coordenadores dos directores de turma. Hoje todos os cargos estão dependentes da nomeação do director da escola, em muitas escolas mantém-se a eleição, mas só os ‘titulares’ são elegíveis e essa eleição depende inteiramente da boa vontade do director.

O resultado mais grave deste estado de coisas tem que ver com a inovação: até aqui as escolas eram dinamizadas pelos professores mais inovadores e com mais capacidade de investigação. Sem querer ser redutor, penso que muitas das escolas que hoje funcionam bem devem isso ao trabalho desses professores, muitos deles longe do topo da carreira. Agora é normal que exista, por exemplo, alguém que percebe muito de informática a organizar os sistemas informáticos da escola, mas quem ocupa o cargo de coordenador TIC é um professor titular que, por acaso, até pode nem perceber nada de computadores. Um terá o trabalho, o outro, os ‘louros’. Isto fomenta os mecanismos informais de compensação – tu trabalhas nisto, na sombra de outro, que nós tentaremos beneficiar-te de alguma forma – não te sobrecarregando com vigilâncias de exame, ou deixando-te em paz depois das aulas, ou dando-te tratamento preferencial no que for possível. Não sei se isto não será uma espécie de corrupção. Penso, contudo, que a democracia, vivida de forma o mais profunda possível, é sempre o melhor caminho.

E a escola tem que ter profissões técnicas ao seu serviço, nada deve ser entregue à carolice ou à ignorância dos professores: fazem falta técnicos de informática, até os simples electricistas, técnicos de serviço social, psicólogos, animadores sociais, bibliotecários, etc.

A escola deve ser um território democraticamente impoluto, limpo de qualquer raiz de totalitarismo – a simples introdução de critérios de ordem biológica para diferenciar as pessoas, a biopolítica levada a um extremo quase caricato é uma das mais eficazes sementes de totalitarismo. Um professor não pode mudar a sua data de nascimento, nem o seu tempo de serviço, ou o seu código genético. Ver-se discriminado por causa da sua idade é ridículo e muito injusto. O que deve valer é o mérito e a capacidade pedagógica. Não há diferenças apreciáveis entre as capacidades de um professor com 15 anos de serviço e outro com 20 anos, nada que deva permitir discriminar um em detrimento do outro. A antiguidade não deve ser um posto. Isto para não falar do congelamento da carreira em mais de 2 anos e meio – neste momento há um buraco negro no registo biográfico dos professores – como se pode defender uma progressão na carreira deste género e congelar a carreira,? No fundo esse tempo não conta para a progressão na carreira, o que vai ter um impacto tremendo na carreira de muitos professores.

Pelo que se vê na proposta da actual equipa ministerial, a vontade é a de manter tudo como estava. Risca-se a designação das duas categorias, mas o seu fantasma continua a existir, uma vez que só os professores no topo da carreira poderão exercer os tais cargos de coordenação e gestão pedagógica. Nada de diferente a este nível.

E depois a estenose na carreira aparece em três patamares, o que, se calhar, é ainda mais grave do que o que se passa no actual figurino.

E há um pormenor que é no mínimo interessante: o actual estatuto impôs aos professores que tivessem aulas assistidas em todos os momentos de avaliação. Isso para quem se formou nas últimas três décadas não pôde deixar de ser visto como humilhante, uma vez que os professores tiveram aulas assistidas quando fizeram estágio, o não precisar de ter aulas assistidas era um sinal de estatuto, de maturidade pedagógica. Como o sistema de avaliação era impossível, uma vez que a sua aplicação obrigaria a que as escolas empenhassem todos os seus recursos humanos e materiais na avaliação dos professores (e não estou a exagerar), essa obrigatoriedade de ter aulas assistidas foi eliminada com o tão afamado ‘simplex’ (e é de pasmar a tendência destes nossos governantes a inventarem rótulos pimba para as suas iniciativas), só os professores que quisessem ser avaliadas com Muito Bom ou Excelente teriam que ter aulas assistidas. Resultado: os lambe-botas tiveram aulas assistidas, a esmagadora maioria dos professores foi corrida a Bom. O anterior modelo de avaliação, aquele que o cidadão Sócrates jura a pés juntos que não existia, era mais exigente que o actual, não era muito exigente, mas era mais exigente.

Agora, só terá aulas assistidas quem precisar de ultrapassar os três obstáculos que querem introduzir na progressão na carreira. A coisa fica mais soft, mas no fundo trata-se de servir o mesmo vinho em copos lavados, a coisa vai dar ao mesmo. Trata-se da mesma bebedeira política.

1 comentários:

Paulo Borges disse...

Paulo, vê lá se consegues arranjar um tempinho para pores o grupo de Educação e Cultura a funcionar! Pelo menos só até Janeiro!... Diz se aceitas ser o coordenador, como espero. Abraço

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(composição de Hélène Sellier-Duplessis)


PRINCÍPIOS DO ME SOBRE A REVISÃO DO ESTATUTO DA CARREIRA DOCENTE E A SUA ARTICULAÇÃO COM A AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO – Proposta apresentada pelo Ministério da Educação aos sindicatos


1) Estruturação da carreira docente:

  • Carreira única para os educadores de infância e para os professores dos ensinos básico e secundário;
  • Carreira com uma única categoria, sem divisão entre professores titulares e não titulares;
  • Desenvolvimento da carreira em 10 escalões;
  • Especialização funcional facultativa nos dois escalões do topo da carreira, para as funções de supervisão pedagógica, de gestão da formação, de desenvolvimento curricular e de avaliação, acessível, sob candidatura, aos docentes que possuam formação específica adequada.

2) Ingresso na carreira:

  • Ingresso na carreira dependente de qualificações adequadas, mérito e selectividade;
  • Selectividade no ingresso na carreira realiza-se através de uma prova pública de acesso e da aprovação no final de um período probatório de um ano, em que é obrigatória a observação de aulas e a avaliação da prática docente não lectiva.

3) Progressão na carreira e sua articulação com a avaliação de desempenho:

  • Acesso ao escalão imediatamente superior mediante a conjugação dos seguintes elementos: tempo de serviço, formação contínua ou especializada e mérito traduzido na classificação obtida na avaliação de desempenho, sem prejuízo da dimensão também formativa da avaliação;
  • O sistema de classificação e o regime dos efeitos da avaliação de desempenho continuarão a assegurar consequências efectivas da avaliação nas condições e no ritmo de progressão na carreira, sem prejuízo das adaptações necessárias à nova estruturação da carreira docente;
  • Independentemente dos normais ciclos de avaliação de dois anos, a avaliação com observação de aulas é condição de acesso ao 3º e ao 5º escalão, bem como ao 7º escalão quando tal observação não tenha tido lugar em nenhum dos ciclos anteriores. Se ao docente não estiver distribuído serviço lectivo, a avaliação requerida para o acesso aos escalões referidos inclui um relatório elaborado pelo director da escola;
  • As condições de progressão na carreira promovem a necessária selectividade da progressão, como forma de estimular e premiar um melhor desempenho, mediante a fixação anual de vagas para acesso ao 3º, ao 5º e ao 7º escalão.

4) Distribuição de responsabilidades funcionais:

  • A atribuição de funções de coordenação, orientação, supervisão pedagógica e avaliação são reservadas aos docentes posicionados a partir do 45 escalão da carreira, preferencialmente detentores de formação especializada e, de entre eles, sempre que possível aos docentes dos dois últimos escalões que tenham optado pela especialização funcional correspondente;
  • A Direcção de cada escola poderá, por motivo justificado, designar para as funções referidas no ponto anterior docentes posicionados no 39 escalão, desde que possuam formação especializada para o desempenho das funções em causa.

5) Regime transitório:

  • Transitoriamente, aos docentes que actualmente se encontram posicionados nos índices 299 e 340 aplicam-se as regras de progressão previstas no Decreto-Lei n.5 270/2009.

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____

Numa primeira análise, esta proposta apresenta-se como uma mera operação de cosmética ao estipulado no actual Estatuto da Carreira Docente.

Aquele articulado legal tem na sua base uma intenção que nada tem que ver com a carreira docente e a sua articulação interna, no sentido de valorizar a prática docente. O primeiro governo chefiado pelo cidadão José Sócrates era um governo geneticamente deficitário (o actual é-o ainda mais, como se vê na sua exposição ao fogo lento das tribulações parlamentares): toda a sua acção girava em torno da ideia do défice excessivo – e aqui não deixa de ser interessante notar que foi o próprio governo que exigiu uma revisão dos números do défice, quando até a Comissão Europeia tinha sufragado os cambalachos orçamentais dos anteriores governos (de Portugal e do resto dos países da zona euro, uma vez que nenhum deles conseguiu alguma vez cumprir os critérios do Pacto de Estabilidade, sem uma boa dose de ilusionismo financeiro). Havia que assestar o fogo da artilharia socrática sobre tudo o que pudesse pôr em causa a suma sapiência dos novos governantes, caídos, todos eles dum limbo higienizador capaz de limpar as asas querubínicas do mais habilidoso dos sucateiros. A República transforma-se sorrateiramente numa sucata social e política. A reciclagem é actualmente a suprema arte de governação, faz bem ao espírito do eleitorado e ajuda a suportar o tédio dos dias que antecedem a morte, hoje o único acontecimento digno desse nome, uma vez que a existência humana está, digamos, plastinada pela especularidade do viver na clausura significante.

Ora, suas excelências (excedências?) encontraram, logo que tomaram posse, um panorama assustador na educação: a maioria dos professores aproximava-se do patamar mais elevado da carreira, tinha-se invertido a pirâmide salarial, os escalões cimeiros tinham muito mais professores do que os escalões de entrada. Mas é interessante notar que há milhares de professores impedidos de entrar na carreira e que, muitos deles, há mais de duas décadas que ganham de acordo com o mesmo índice e estão na mais absoluta precariedade. Mas pronto, havia que introduzir um estrangulamento na carreira docente para impedir a ascensão profissional de pelo menos dois terços dos professores, independentemente do seu mérito. O que importava era impedir a hecatombe orçamental que se antevia.

Então os peritos de serviço percorreram os sistemas educativos do mundo civilizado, querendo, de acordo com a sermonística oficial, aproximar a qualidade do sistema educativo português da excelência dos sistemas educativos nórdicos. Vai daí encontraram o que procuravam: o modelo de avaliação dos professores do Chile era o mais avançado do mundo. O destrambelho da bússola dos nautas do futuro brilhante da educação nacional não seria mais do que uma confirmação do acerto da demanda. Havia que traduzir os normativos chilenos em bom português (‘Era uma aventura na avaliação dos professores…’, dava um bom livro de aventuras…) e derrear os sindicatos e o atrevimento dos ‘professorzecos’ (esta expressão é do secretário de estado que, agora, foi escorraçado do governo, o outro estava a ver se não se queimava demasiado…) com uma série de simulacros de negociação.

A coisa ficou assim: foi instituído um estrangulamento na carreira que passou a ser dividida em dois patamares, aos quais corresponderiam duas categorias profissionais: a de ‘professor’ e a de ‘professor titular’. Para implementar a coisa foi aberto um concurso de acesso à categoria de professor titular que, na prática, acabou por aumentar de forma gritante o estrangulamento na progressão na carreira: entrou tudo o que pudesse provar o exercício de cargos. Quem se preocupou em dar aulas e em gastar o seu tempo na preparação das mesmas acabou preterido pelos sicários dos sistema (é óbvio que há muitos professores que dignificaram os cargos que exerceram). Houve muito choro e muita corrida aos certificados. O resultado é que houve pessoas que se incompatibilizaram por causa da subida ou não a titular e as vagas para titular acabaram por ficar congeladas para as próximas décadas, uma vez que a lei prevê que só um terço dos professores possa chegar a essa categoria. E houve coisas caricatas: como havia quotas para acesso a titular, diferenciadas por escola, houve professores que não conseguiram chegar lá, mesmo tendo muitos mais pontos do que os professores da escola ao lado, foi uma espécie de lotaria da Babilónia em versão histérica, os olhos da então Ministra, fechadamente escancarados, como de pitonisa obrigada a ler sinas na feira, ficarão para a história do grotesco nacional.

Que sentido tem dividir a carreira docente em duas categorias? O que é um professor ‘titular’? Titular de quê? Não deveriam todos os professores ser tutelares? Mas isso é já entrar no campo da ética, coisa em que convém não tocar.

A partir desse momento só os professores titulares poderiam exercer cargos de coordenação e supervisão pedagógica, o que matou a gestão democrática das escolas. Até então o exercício dos cargos dentro da escola, de todos sem excepção, estava dependente dum sufrágio pelos pares: os professores elegiam livremente os seus representantes de grupo e de departamento, bem como os diversos coordenadores, como, por exemplo, os coordenadores dos directores de turma. Hoje todos os cargos estão dependentes da nomeação do director da escola, em muitas escolas mantém-se a eleição, mas só os ‘titulares’ são elegíveis e essa eleição depende inteiramente da boa vontade do director.

O resultado mais grave deste estado de coisas tem que ver com a inovação: até aqui as escolas eram dinamizadas pelos professores mais inovadores e com mais capacidade de investigação. Sem querer ser redutor, penso que muitas das escolas que hoje funcionam bem devem isso ao trabalho desses professores, muitos deles longe do topo da carreira. Agora é normal que exista, por exemplo, alguém que percebe muito de informática a organizar os sistemas informáticos da escola, mas quem ocupa o cargo de coordenador TIC é um professor titular que, por acaso, até pode nem perceber nada de computadores. Um terá o trabalho, o outro, os ‘louros’. Isto fomenta os mecanismos informais de compensação – tu trabalhas nisto, na sombra de outro, que nós tentaremos beneficiar-te de alguma forma – não te sobrecarregando com vigilâncias de exame, ou deixando-te em paz depois das aulas, ou dando-te tratamento preferencial no que for possível. Não sei se isto não será uma espécie de corrupção. Penso, contudo, que a democracia, vivida de forma o mais profunda possível, é sempre o melhor caminho.

E a escola tem que ter profissões técnicas ao seu serviço, nada deve ser entregue à carolice ou à ignorância dos professores: fazem falta técnicos de informática, até os simples electricistas, técnicos de serviço social, psicólogos, animadores sociais, bibliotecários, etc.

A escola deve ser um território democraticamente impoluto, limpo de qualquer raiz de totalitarismo – a simples introdução de critérios de ordem biológica para diferenciar as pessoas, a biopolítica levada a um extremo quase caricato é uma das mais eficazes sementes de totalitarismo. Um professor não pode mudar a sua data de nascimento, nem o seu tempo de serviço, ou o seu código genético. Ver-se discriminado por causa da sua idade é ridículo e muito injusto. O que deve valer é o mérito e a capacidade pedagógica. Não há diferenças apreciáveis entre as capacidades de um professor com 15 anos de serviço e outro com 20 anos, nada que deva permitir discriminar um em detrimento do outro. A antiguidade não deve ser um posto. Isto para não falar do congelamento da carreira em mais de 2 anos e meio – neste momento há um buraco negro no registo biográfico dos professores – como se pode defender uma progressão na carreira deste género e congelar a carreira,? No fundo esse tempo não conta para a progressão na carreira, o que vai ter um impacto tremendo na carreira de muitos professores.

Pelo que se vê na proposta da actual equipa ministerial, a vontade é a de manter tudo como estava. Risca-se a designação das duas categorias, mas o seu fantasma continua a existir, uma vez que só os professores no topo da carreira poderão exercer os tais cargos de coordenação e gestão pedagógica. Nada de diferente a este nível.

E depois a estenose na carreira aparece em três patamares, o que, se calhar, é ainda mais grave do que o que se passa no actual figurino.

E há um pormenor que é no mínimo interessante: o actual estatuto impôs aos professores que tivessem aulas assistidas em todos os momentos de avaliação. Isso para quem se formou nas últimas três décadas não pôde deixar de ser visto como humilhante, uma vez que os professores tiveram aulas assistidas quando fizeram estágio, o não precisar de ter aulas assistidas era um sinal de estatuto, de maturidade pedagógica. Como o sistema de avaliação era impossível, uma vez que a sua aplicação obrigaria a que as escolas empenhassem todos os seus recursos humanos e materiais na avaliação dos professores (e não estou a exagerar), essa obrigatoriedade de ter aulas assistidas foi eliminada com o tão afamado ‘simplex’ (e é de pasmar a tendência destes nossos governantes a inventarem rótulos pimba para as suas iniciativas), só os professores que quisessem ser avaliadas com Muito Bom ou Excelente teriam que ter aulas assistidas. Resultado: os lambe-botas tiveram aulas assistidas, a esmagadora maioria dos professores foi corrida a Bom. O anterior modelo de avaliação, aquele que o cidadão Sócrates jura a pés juntos que não existia, era mais exigente que o actual, não era muito exigente, mas era mais exigente.

Agora, só terá aulas assistidas quem precisar de ultrapassar os três obstáculos que querem introduzir na progressão na carreira. A coisa fica mais soft, mas no fundo trata-se de servir o mesmo vinho em copos lavados, a coisa vai dar ao mesmo. Trata-se da mesma bebedeira política.

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Paulo, vê lá se consegues arranjar um tempinho para pores o grupo de Educação e Cultura a funcionar! Pelo menos só até Janeiro!... Diz se aceitas ser o coordenador, como espero. Abraço

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