Um espaço para reinventar Portugal como nação de todo o Mundo, que estabeleça pontes, mediações e diálogos entre todos os povos, culturas e civilizações e promova os valores mais universalistas, conforme o símbolo da Esfera Armilar. Há que visar o melhor possível para todos, uma cultura da paz, da compreensão e da fraternidade à escala planetária, orientada não só para o bem da espécie humana, mas também para a preservação da natureza e o bem-estar de todas as formas de vida sencientes.

"Nós, Portugal, o poder ser"

- Fernando Pessoa, Mensagem.

O desafio intercultural: subversivo, enriquecedor e difícil



"Não se pode negar, em qualquer caso, que a atitude intercultural implica um risco e leva consigo a aceitação da vulnerabilidade humana. Porém, se não aceitamos este risco, tudo desembocará num "choque de civilizações", isto é, numa guerra de culturas, que se prolongará como nos últimos seis mil anos de história humana, na qual a cultura da guerra prevaleceu sobre a cultura da paz. Esta transição de uma cultura da guerra a uma cultura da paz é o desafio de vida ou de morte com que se enfrenta a humanidade contemporânea. [...]

A interculturalidade é um imperativo humano do nosso tempo. Para que tenha lugar a mutação de uma cultura de guerra numa cultura de paz, a mudança deve alcançar o domínio do mythos e não somente o do logos; do que se depreende que havemos de modificar os nossos mitos e não apenas as nossas ideias. Esta transição, este passo (pesah, pascha), [...] é a tarefa principal da filosofia intercultural, é o desafio intercultural do nosso milénio. Note-se que falamos de desafio intercultural e não somente ético. [...] O desafio da interculturalidade não pode reduzir-se a um discurso ético. Não há que nos espantarmos de que o desafio intercultural seja tão subversivo como enriquecedor ao passo que difícil.

Cada cultura crê nos seus próprios mitos e, quando nos esquecemos do carácter relativo das convicções que estão encerradas (e compreendidas) no mito, corremos o risco de converter em absolutos as ideias e os valores de tal cultura. Este é o perigo das culturas que se fecharam em si mesmas ou que estão convencidas da sua superioridade. O encontro com outras visões do mundo que são incompatíveis com a nossa não apenas nos causa incómodo, mas também nos torna inseguros, faz-nos perder o equilíbrio. [...]

A abertura à interculturalidade é verdadeiramente subversiva. Desestabiliza-nos, contesta convicções profundamente enraizadas que damos por garantidas porque nunca as colocámos em discussão. Diz-nos que a nossa visão do mundo, e portanto o nosso próprio mundo, não são únicos. [...]

Porém, ao mesmo tempo, a abertura à interculturalidade é enriquecedora. Permite-nos crescer, sermos transformados; estimula-nos a tornarmo-nos mais críticos, menos absolutistas e amplia o campo da nossa tolerância. Ademais faz-nos descobrir as próprias raízes da nossa cultura, esses pontos de intersecção para um crescimento harmonioso dessa mesma cultura. [...]

O nosso terceiro adjectivo convida-nos a ser prudentes e realistas. O encontro entre as culturas é difícil, porque não se trata de um fácil eclecticismo ou de um cocktail arbitrário. [...]

É natural que seja necessário ir com prudência, para evitar cair no fascínio do exótico e sermos assim vítimas de um parasitismo debilitador confundido com uma simbiose enriquecedora"

- Raimon Pannikar, Paz e Interculturalidad. Una reflexión filosófica, Barcelona, Herder, 2006, pp.105-107 e 109-110.

1 comentários:

Paulo Borges disse...

Se tudo correr bem entrevistarei Pannikar, na sua casa numa aldeia da Catalunha, no próximo dia 14, para o 1º número da Revista ENTRE.

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O desafio intercultural: subversivo, enriquecedor e difícil



"Não se pode negar, em qualquer caso, que a atitude intercultural implica um risco e leva consigo a aceitação da vulnerabilidade humana. Porém, se não aceitamos este risco, tudo desembocará num "choque de civilizações", isto é, numa guerra de culturas, que se prolongará como nos últimos seis mil anos de história humana, na qual a cultura da guerra prevaleceu sobre a cultura da paz. Esta transição de uma cultura da guerra a uma cultura da paz é o desafio de vida ou de morte com que se enfrenta a humanidade contemporânea. [...]

A interculturalidade é um imperativo humano do nosso tempo. Para que tenha lugar a mutação de uma cultura de guerra numa cultura de paz, a mudança deve alcançar o domínio do mythos e não somente o do logos; do que se depreende que havemos de modificar os nossos mitos e não apenas as nossas ideias. Esta transição, este passo (pesah, pascha), [...] é a tarefa principal da filosofia intercultural, é o desafio intercultural do nosso milénio. Note-se que falamos de desafio intercultural e não somente ético. [...] O desafio da interculturalidade não pode reduzir-se a um discurso ético. Não há que nos espantarmos de que o desafio intercultural seja tão subversivo como enriquecedor ao passo que difícil.

Cada cultura crê nos seus próprios mitos e, quando nos esquecemos do carácter relativo das convicções que estão encerradas (e compreendidas) no mito, corremos o risco de converter em absolutos as ideias e os valores de tal cultura. Este é o perigo das culturas que se fecharam em si mesmas ou que estão convencidas da sua superioridade. O encontro com outras visões do mundo que são incompatíveis com a nossa não apenas nos causa incómodo, mas também nos torna inseguros, faz-nos perder o equilíbrio. [...]

A abertura à interculturalidade é verdadeiramente subversiva. Desestabiliza-nos, contesta convicções profundamente enraizadas que damos por garantidas porque nunca as colocámos em discussão. Diz-nos que a nossa visão do mundo, e portanto o nosso próprio mundo, não são únicos. [...]

Porém, ao mesmo tempo, a abertura à interculturalidade é enriquecedora. Permite-nos crescer, sermos transformados; estimula-nos a tornarmo-nos mais críticos, menos absolutistas e amplia o campo da nossa tolerância. Ademais faz-nos descobrir as próprias raízes da nossa cultura, esses pontos de intersecção para um crescimento harmonioso dessa mesma cultura. [...]

O nosso terceiro adjectivo convida-nos a ser prudentes e realistas. O encontro entre as culturas é difícil, porque não se trata de um fácil eclecticismo ou de um cocktail arbitrário. [...]

É natural que seja necessário ir com prudência, para evitar cair no fascínio do exótico e sermos assim vítimas de um parasitismo debilitador confundido com uma simbiose enriquecedora"

- Raimon Pannikar, Paz e Interculturalidad. Una reflexión filosófica, Barcelona, Herder, 2006, pp.105-107 e 109-110.

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Paulo Borges disse...

Se tudo correr bem entrevistarei Pannikar, na sua casa numa aldeia da Catalunha, no próximo dia 14, para o 1º número da Revista ENTRE.

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