Um espaço para reinventar Portugal como nação de todo o Mundo, que estabeleça pontes, mediações e diálogos entre todos os povos, culturas e civilizações e promova os valores mais universalistas, conforme o símbolo da Esfera Armilar. Há que visar o melhor possível para todos, uma cultura da paz, da compreensão e da fraternidade à escala planetária, orientada não só para o bem da espécie humana, mas também para a preservação da natureza e o bem-estar de todas as formas de vida sencientes.

"Nós, Portugal, o poder ser"

- Fernando Pessoa, Mensagem.

Escola ainda não contactou pais do aluno que se atirou ao rio



Nem uma palavra de solidariedade. A família merecia maior respeito", lamenta Paula Nunes, tia de Leandro, que assim condena a atitude do conselho executivo da Escola Luciano Cordeiro. Desde o trágico dia que a escola mantém as actividades lectivas regulares, recusa prestar qualquer declaração pública e também não o faz em privado, à família do menino desaparecido. "A mãe foi contactada pela directora de turma, que lhe manifestou todo o apoio, mas a directora de turma não representa a direcção da escola", diz a tia do aluno de 12 anos.
Existem fortes suspeitas de que a criança era vítima de violência continuada por parte dos colegas: a avó relatou um episódio de internamento por uma agressão fora do recinto escolar praticada por alunos da mesma escola e alguns colegas testemunharam que antes de se dirigir ao rio Leandro teria sido novamente agredido.
"Foi o meu filho que o impediu de se atirar da ponte, mas não conseguiu impedir depois que entrasse na água", continua Paula Nunes. "Culpa-se, mesmo não tendo culpa, é terrível." Nenhuma das crianças que estavam com Leandro na altura do seu desaparecimento regressou ainda às aulas. "A escola também ainda não se preocupou em saber porque éw que o meu filho e os outros meninos não voltaram à escola", diz, sublinhando que todas aquelas crianças necessitam de acompanhamento psicológico para tentar "ultrapassar o episódio".
A tia, que tem acompanhado permanentemente os trabalhos de busca, também ainda não viu "no local" nenhum elemento da direcção da escola. "Têm passado por aqui alguns funcionários que gostavam do Leandro, mas não vi nunca o director nem ninguém da direcção."
Ontem, pelo sexto dia consecutivo, prosseguiram as buscas no rio, entre Mirandela e a foz do Tua, mais uma vez sem resultados. Durante uma hora, os mais de cem homens que a coordenação distrital da Protecção Civil mantém no terreno conseguiram manter o caudal do rio baixo, fechando as comportas de um açude a montante, mas nenhum rasto de Leandro foi ainda encontrado. "Os bombeiros têm sido incansáveis. Bem sabem como é importante para a família encontrar o menino, poder fazer-lhe um funeral", comenta a tia.
Ana Fragoso, Público - 08/03/2009.
_______
Que dizer perante esta situação?
O ‘bullying’ é um problema estrutural da escola. A forma como a escola está estruturada, como uma cadeia de montagem onde os alunos se enfileiram por classes – a ‘classificação’ escolar é a primeira forma de estratificação social, há aí um sistema perverso de distribuição de marcas de aceitação social, umas inerentes à instituição escolar, outras dependentes das relações grupais que se estabelecem entre os alunos. É uma engrenagem desumana, avessa ao despontar da individualidade expansiva.
Mas trata-se dum problema que pode ser enfrentado e combatido com eficácia. Mas a sua erradicação só será possível pela destruição da escola da era industrial. Há que repensar os espaços escolares que temos, torná-los mais pequenos, com menos pessoas, mais próximos dos limites óptimos da convivialidade: poucos alunos por turma, poucas turmas por cada ano, um leque etário muito alargado – cada escola deve ter todos os níveis de escolaridade, da pré-primária ao 12º ano.
É necessário também que se cultive a democracia directa, recuperando o sentido da ecclesia da Atenas do período áureo: todos os membros da comunidade educativa devem poder discutir em comum os problemas da escola, em assembleia, olhos nos olhos, assumindo compromissos, estabelecendo regras, construindo projectos, avaliando a execução dos projectos, elegendo representantes e responsáveis.
Se uma escola tiver uma dimensão que não permita juntar todas as pessoas num espaço de discussão, então a sua dimensão ultrapassa os limites do aceitável, há que proceder à sua divisão.
O ideal seria que as escolas nascessem da própria comunidade local. O que permite várias modalidades de organização: desde a educação doméstica, a levar a cabo pelas famílias que queiram e possam assumir este encargo, passando pelas cooperativas familiares ou comunitárias, até chegar às escolas de pendor mais institucional, próximas das que temos hoje, mas entregues às comunidades locais.
Há que devolver a escola à sociedade. Todos os cidadãos devem poder participar activamente na vida escolar, e aqui os pais devem ter um papel decisivo no que se refere à gestão da escola. Isto no pleno respeito da autoridade pedagógica dos professores. Mas há formas de organizar a vida da escola tendo como centro orgânico a vida cultural da sociedade envolvente.
Isto requer que a própria sociedade desperte para a democracia verdadeiramente participativa. O que se pode conseguir através da redefinição do conceito de autarquia local: há que devolver a soberania aos cidadãos e às comunidades de base em vez de investir todos os recursos em corpos burocratizados e partidarizados, geridos de forma ‘artificial’, ou seja, desligada da vida concreta das comunidades locais (muitas delas condenadas a uma existência vegetativa em termos de cidadania verdadeiramente democrática e culturalmente viva – basta falar das enormes urbanizações-dormitório).
A escola pode bem ser considerada um órgão de soberania, uma autarquia local. E todas as autarquias locais devem ser reconfiguradas de forma a poderem ser administradas, o mais possível, através da democracia directa. ‘O mais possível’, porque há ainda um longo caminho a percorrer para que os cidadãos se interessem de forma profunda pela sua actividade política.
Por outro lado, se não é natural que na nossa casa nos sintamos deslocados ou ‘a mais’, o mesmo deve acontecer com os nossos filhos na escola: a escola deve ser uma das nossas casas comuns, um espaço de sociabilidade franca. Os nossos filhos devem sentir-se seguros na escola e isso passa por não se verem tratados como aquilo que não são (ou para o qual não nasceram): meras bestas de aprender o que não requer verdadeira aprendizagem. Só aprende quem se prende a tudo, quem se sabe em comunhão com o universo. Só aprende quem descobre a vida compassiva, quer dizer, quem se sabe ser de partilha.
O Leandro suicidou-se por causa da escola. Foi vítima de bullying e este fenómeno é inerente à escola, não há que deturpar o seu sentido escolar. E esta não é a escola que queremos para os nossos filhos, nem a sociedade que queremos para todos nós. Por este motivo a atitude da direcção da escola do Leandro (a escola era do Leandro, como é de todos nós) não é só execrável: é um espelho da sociedade em que vivemos, uma sociedade discriminatória, cada vez mais desigual. Não restem dúvidas: se o Leandro fosse filho dum senhor juiz ou dum médico, dum engenheiro, dum professor, neste momento não estariam à procura dum cadáver nas margens do rio Tua.
Já estive em conselhos de turma em que se perguntava: ‘O João é filho de quem?’; ‘Sabem quem são os filhos de professores?’; ‘Olhem que o pai da Joana é professor catedrático!’. Os filhos dos ‘outros’ ficam na penumbra. Isto em muitos casos pesa. Os filhos de pais que não têm estatuto social muito dificilmente chegam a medicina. Pode até haver muitas excepções, mas isso não me fará abandonar esta convicção.
E se os alunos forem portadores duma deficiência desafiante (que exija muito trabalho), então a coisa pode tornar-se tétrica. Não em todas as escolas, porque há escolas muito preocupadas com estas situações. Esta situação fica a dever-se à falta de formação dos professores (que, no caso das necessidades educativas especiais é praticamente nula – há professores a trabalhar no ensino especial sem qualquer qualificação académica na área); à sobrecarga dos horários de muitos professores – se tiverem cento e muitos alunos, não conseguem prestar atenção a cada um, o que se torna mais problemático no caso dos alunos com uma grande necessidade de investimento pedagógico; mas também há quem não queria os alunos portadores de deficiência na escola dita ‘normal’ – o que contraria o ideal da escola inclusiva que é um dos sustentáculos da sociedade democrática.
O mutismo da direcção da escola de Mirandela (e de todos nós) provará que o bullying é inerente à escola, à forma como a escola está estruturada – se a escola estivesse mesmo entregue à comunidade local, a quem o seu director deveria prestar contas?
Nos últimos anos o quadro legal que suporta a gestão escolar sofreu mudanças que comprometeram o funcionamento democrático das escolas e promoveram o autoritarismo e o autismo administrativo. Hoje nada é verdadeiramente discutido dentro das escolas. Mesmo um órgão tão importante como o conselho pedagógico está completamente manietado, porque a nomeação dos seus membros depende do director.
Os Leandros não se conseguem fazer ouvir; os pais dos Leandros são tratados com sobranceria por quem se julga cultural e socialmente melhor do que eles. Só os agressores se sentem à vontade na escola. Esses vêem-se protegidos por um muro de silêncio e de indiferença.
E nós continuamos cegos, surdos e mudos. A bem da pasmaceira social. Até quando?

0 comentários:

Enviar um comentário

Escola ainda não contactou pais do aluno que se atirou ao rio



Nem uma palavra de solidariedade. A família merecia maior respeito", lamenta Paula Nunes, tia de Leandro, que assim condena a atitude do conselho executivo da Escola Luciano Cordeiro. Desde o trágico dia que a escola mantém as actividades lectivas regulares, recusa prestar qualquer declaração pública e também não o faz em privado, à família do menino desaparecido. "A mãe foi contactada pela directora de turma, que lhe manifestou todo o apoio, mas a directora de turma não representa a direcção da escola", diz a tia do aluno de 12 anos.
Existem fortes suspeitas de que a criança era vítima de violência continuada por parte dos colegas: a avó relatou um episódio de internamento por uma agressão fora do recinto escolar praticada por alunos da mesma escola e alguns colegas testemunharam que antes de se dirigir ao rio Leandro teria sido novamente agredido.
"Foi o meu filho que o impediu de se atirar da ponte, mas não conseguiu impedir depois que entrasse na água", continua Paula Nunes. "Culpa-se, mesmo não tendo culpa, é terrível." Nenhuma das crianças que estavam com Leandro na altura do seu desaparecimento regressou ainda às aulas. "A escola também ainda não se preocupou em saber porque éw que o meu filho e os outros meninos não voltaram à escola", diz, sublinhando que todas aquelas crianças necessitam de acompanhamento psicológico para tentar "ultrapassar o episódio".
A tia, que tem acompanhado permanentemente os trabalhos de busca, também ainda não viu "no local" nenhum elemento da direcção da escola. "Têm passado por aqui alguns funcionários que gostavam do Leandro, mas não vi nunca o director nem ninguém da direcção."
Ontem, pelo sexto dia consecutivo, prosseguiram as buscas no rio, entre Mirandela e a foz do Tua, mais uma vez sem resultados. Durante uma hora, os mais de cem homens que a coordenação distrital da Protecção Civil mantém no terreno conseguiram manter o caudal do rio baixo, fechando as comportas de um açude a montante, mas nenhum rasto de Leandro foi ainda encontrado. "Os bombeiros têm sido incansáveis. Bem sabem como é importante para a família encontrar o menino, poder fazer-lhe um funeral", comenta a tia.
Ana Fragoso, Público - 08/03/2009.
_______
Que dizer perante esta situação?
O ‘bullying’ é um problema estrutural da escola. A forma como a escola está estruturada, como uma cadeia de montagem onde os alunos se enfileiram por classes – a ‘classificação’ escolar é a primeira forma de estratificação social, há aí um sistema perverso de distribuição de marcas de aceitação social, umas inerentes à instituição escolar, outras dependentes das relações grupais que se estabelecem entre os alunos. É uma engrenagem desumana, avessa ao despontar da individualidade expansiva.
Mas trata-se dum problema que pode ser enfrentado e combatido com eficácia. Mas a sua erradicação só será possível pela destruição da escola da era industrial. Há que repensar os espaços escolares que temos, torná-los mais pequenos, com menos pessoas, mais próximos dos limites óptimos da convivialidade: poucos alunos por turma, poucas turmas por cada ano, um leque etário muito alargado – cada escola deve ter todos os níveis de escolaridade, da pré-primária ao 12º ano.
É necessário também que se cultive a democracia directa, recuperando o sentido da ecclesia da Atenas do período áureo: todos os membros da comunidade educativa devem poder discutir em comum os problemas da escola, em assembleia, olhos nos olhos, assumindo compromissos, estabelecendo regras, construindo projectos, avaliando a execução dos projectos, elegendo representantes e responsáveis.
Se uma escola tiver uma dimensão que não permita juntar todas as pessoas num espaço de discussão, então a sua dimensão ultrapassa os limites do aceitável, há que proceder à sua divisão.
O ideal seria que as escolas nascessem da própria comunidade local. O que permite várias modalidades de organização: desde a educação doméstica, a levar a cabo pelas famílias que queiram e possam assumir este encargo, passando pelas cooperativas familiares ou comunitárias, até chegar às escolas de pendor mais institucional, próximas das que temos hoje, mas entregues às comunidades locais.
Há que devolver a escola à sociedade. Todos os cidadãos devem poder participar activamente na vida escolar, e aqui os pais devem ter um papel decisivo no que se refere à gestão da escola. Isto no pleno respeito da autoridade pedagógica dos professores. Mas há formas de organizar a vida da escola tendo como centro orgânico a vida cultural da sociedade envolvente.
Isto requer que a própria sociedade desperte para a democracia verdadeiramente participativa. O que se pode conseguir através da redefinição do conceito de autarquia local: há que devolver a soberania aos cidadãos e às comunidades de base em vez de investir todos os recursos em corpos burocratizados e partidarizados, geridos de forma ‘artificial’, ou seja, desligada da vida concreta das comunidades locais (muitas delas condenadas a uma existência vegetativa em termos de cidadania verdadeiramente democrática e culturalmente viva – basta falar das enormes urbanizações-dormitório).
A escola pode bem ser considerada um órgão de soberania, uma autarquia local. E todas as autarquias locais devem ser reconfiguradas de forma a poderem ser administradas, o mais possível, através da democracia directa. ‘O mais possível’, porque há ainda um longo caminho a percorrer para que os cidadãos se interessem de forma profunda pela sua actividade política.
Por outro lado, se não é natural que na nossa casa nos sintamos deslocados ou ‘a mais’, o mesmo deve acontecer com os nossos filhos na escola: a escola deve ser uma das nossas casas comuns, um espaço de sociabilidade franca. Os nossos filhos devem sentir-se seguros na escola e isso passa por não se verem tratados como aquilo que não são (ou para o qual não nasceram): meras bestas de aprender o que não requer verdadeira aprendizagem. Só aprende quem se prende a tudo, quem se sabe em comunhão com o universo. Só aprende quem descobre a vida compassiva, quer dizer, quem se sabe ser de partilha.
O Leandro suicidou-se por causa da escola. Foi vítima de bullying e este fenómeno é inerente à escola, não há que deturpar o seu sentido escolar. E esta não é a escola que queremos para os nossos filhos, nem a sociedade que queremos para todos nós. Por este motivo a atitude da direcção da escola do Leandro (a escola era do Leandro, como é de todos nós) não é só execrável: é um espelho da sociedade em que vivemos, uma sociedade discriminatória, cada vez mais desigual. Não restem dúvidas: se o Leandro fosse filho dum senhor juiz ou dum médico, dum engenheiro, dum professor, neste momento não estariam à procura dum cadáver nas margens do rio Tua.
Já estive em conselhos de turma em que se perguntava: ‘O João é filho de quem?’; ‘Sabem quem são os filhos de professores?’; ‘Olhem que o pai da Joana é professor catedrático!’. Os filhos dos ‘outros’ ficam na penumbra. Isto em muitos casos pesa. Os filhos de pais que não têm estatuto social muito dificilmente chegam a medicina. Pode até haver muitas excepções, mas isso não me fará abandonar esta convicção.
E se os alunos forem portadores duma deficiência desafiante (que exija muito trabalho), então a coisa pode tornar-se tétrica. Não em todas as escolas, porque há escolas muito preocupadas com estas situações. Esta situação fica a dever-se à falta de formação dos professores (que, no caso das necessidades educativas especiais é praticamente nula – há professores a trabalhar no ensino especial sem qualquer qualificação académica na área); à sobrecarga dos horários de muitos professores – se tiverem cento e muitos alunos, não conseguem prestar atenção a cada um, o que se torna mais problemático no caso dos alunos com uma grande necessidade de investimento pedagógico; mas também há quem não queria os alunos portadores de deficiência na escola dita ‘normal’ – o que contraria o ideal da escola inclusiva que é um dos sustentáculos da sociedade democrática.
O mutismo da direcção da escola de Mirandela (e de todos nós) provará que o bullying é inerente à escola, à forma como a escola está estruturada – se a escola estivesse mesmo entregue à comunidade local, a quem o seu director deveria prestar contas?
Nos últimos anos o quadro legal que suporta a gestão escolar sofreu mudanças que comprometeram o funcionamento democrático das escolas e promoveram o autoritarismo e o autismo administrativo. Hoje nada é verdadeiramente discutido dentro das escolas. Mesmo um órgão tão importante como o conselho pedagógico está completamente manietado, porque a nomeação dos seus membros depende do director.
Os Leandros não se conseguem fazer ouvir; os pais dos Leandros são tratados com sobranceria por quem se julga cultural e socialmente melhor do que eles. Só os agressores se sentem à vontade na escola. Esses vêem-se protegidos por um muro de silêncio e de indiferença.
E nós continuamos cegos, surdos e mudos. A bem da pasmaceira social. Até quando?

0 comentários:

Enviar um comentário