"(...) Segundo os conhecimentos actuais é a criança que dá os primeiros sinais hormonais que desencadeiam o
parto. Isto quer dizer que internamente a criança tem um plano temporal, ela não só participa na decisão de
quando vai nascer, podemos mesmo dizer que o nascimento é um acto decidido pelo feto. Ao esperar por
este momento a mãe e os profissionais que assistem ao parto e ao nascimento mostram um sinal de respeito
pela criança. Tomando esta atitude dá-se o devido tempo à criança e a mãe até que estejam preparadas para o
momento de dar à luz.
O que significa intervir de fora nesse plano temporal interno propositadamente? Interrompe-se um dos mais
importantes episódios do processo natural de desenvolvimento. O organismo não vai ter tempo de atingir a
maturação. É-lhe retirada a possibilidade de decidir. Nas cesarianas marcadas e realizadas antes do início do
trabalho de parto faltam um conjunto de hormonas à mãe, a hormona do parto, falta a protecção e as
estimulações necessárias ao acto de parir e ao acto de nascer. As crianças são abruptamente, em poucos
minutos, arrancadas ao seu meio ambiente conhecido. Muitos recém-nascidos parecem surpreendidos,
desprevenidos e desorientados. Subitamente a penumbra, o calor, o suporte e todo o apoio que o útero
oferece ao seu corpo desapareceram. Depois de um nascimento assim pode frequentemente reconhecer-se o
susto bem presente nos olhos do bebé.
Uma cesariana, quer seja de urgência ou marcada antecipadamente conduz sempre a uma interrupção
passageira do processo social de dar à luz: o vínculo, a comunicação emocional e corporal entre mãe e filho
sofrem um corte, que vai necessariamente deixar marcas. Cada um dos dois vive a situação individualmente,
a anestesia interpõe-se entre eles. Nos primeiros minutos depois do nascimento o filho poderá não estar junto
da mãe, e nos dias seguintes muitas mulheres têm tais dores que mal conseguem pegar no bebé ao colo. As
mulheres que desejaram um parto vaginal mas que necessitaram de uma cesariana por razões médicas podem
ainda sentir-se incompetentes por não terem sido capazes de um parto normal.
Visto do lado da criança as contracções são sentidas pelo seu corpo como um intenso acontecimento táctil e
corporal, que exprime o próprio processo de transição. Quando a estimulação prevista na natureza - a
contracção do útero e a expansão, no intervalo entre contracções - não é, ou quase não é vivida devido às
anestesias, podemos estar perante uma das causas do frequente sentimento de falta de consciência corporal
no adulto. (...)"
Ler mais: http://www.asaseraizes.pt/docs/daraluz.pdf
Paula Diederichs, adaptado por Claudia Pinheiro. Publicação original: Hebammeninfo 5/06: Die Sektio im Brennpunkt: Ist es egal, wann und wie wir geboren werden? Die emotionalen Auswirkungen der modernen Geburtspraktiken. (A Cesariana em debate: Tanto faz, onde e como nascemos? Sobre as consequências emocionais das práticas modernas de nascer) de Paula Diederichs, em www.asaseraizes.pt/textos
Consequências emocionais das práticas modernas de dar à luz
terça-feira, 26 de janeiro de 2010
Publicada por Maria Dulce Alves à(s) 11:01 1 comentáriosEtiquetas: cesariana, Gravidez, homem, identidade, nascimento, Parto, pessoas, Saúde, ser humano, Valores, viver autenticamente
Doulas
Nesta quadra natalícia festejamos, basicamente, a família. E uma família existe a partir do momento que um casal recebe uma criança como filho, aceitando (e desejando) cuidar dele com todo o carinho e respeito, dando-lhe as armas para que ele se torne um Homem capaz de cuidar de si próprio sem supervisão e de cuidar de outros filhos até que estes se tornem também Homens....
As variantes da família clássica e tradicional, actualmente, são muitas.... e todas bem vindas. Mas não é acerca desta multiplicidade que me proponho escrever neste momento.
Gostaria de abordar a forma biológica de ter um filho. Um homem, uma mulher, uma gravidez, um parto e um bebé. Tudo muito natural e lógico.... um quadro de desejo, força e amor.....
Gostaria de abordar, neste contexto, o papel da doula na promoção de uma gravidez, parto e pós-parto plenos de consciência, tranquilidade, poder e afectividade....
Surge a questão....
"Quem é a doula?"
Apesar de em Portugal o termo "doula" ser desconhecido, em muitos outros países, dentro e fora da europa, esta é já uma palavra que faz parte do vocabulário de um casal que espera um filho... e, em última análise, esta palavra, apesar de estranha, representa nada mais que o papel desempenhado desde sempre, por alguém que acompanha a mulher durante toda a metamorfose que acontece no seu corpo, culminando no parto e na amamentação do bebé esperado.
A doula é a pessoa que, não sendo nem médico, nem enfermeiro, nem familiar da mulher grávida, tem formação específica e contínua para acompanhar do ponto de vista emocional e informativo a mulher, durante toda a gravidez, parto e pós-parto. Esta pessoa, que geralmente é uma mulher que já passou pela experiência de gravidez e parto, mas que em alguns casos pode ainda não ter tido filhos ou ser um homem, é alguém que sentiu um forte chamamento interior no sentido de ajudar outras mulheres a passar pela extraordinaria viagem que conduz à maternidade, por perceber que o processo implicado tem um fortíssimo componente emocional que raras vezes é tido em consideração nos acompanhementos tradicionais da gravidez e parto e que tanto influencia os processos fisiológicos em curso.
Este acompanhamento por uma doula já foi provado como muito benéfico em todas as fases da gravidez, parto e pós-parto em variadissimos estudos (Hofmeyr, Nikodem VC, Wolman WL, Chalmers BE, Kramer T. "Companionship to modify the clinical birth environment: effects on progress and perceptions of labour, and breastfeeding" Br J Obstet Gynaecol, 98:756-764; Langer A, Campero L, Garcia C, Reynoso S. "Effects of Psychosocial support during labour and childbirth on breast feeding, medical intervencions, and mothers`well-being in Mexican public hospital: a randomized clinical trial "Br J Obstet Gynecol, 105: 1056-1063, 1998; Kennell JH, McGrath SK "Labor Support by a Doula for middle-income couples; the effect on cesarean rates" Pediatrics Res, 32:12A,1993; etc...).
Por isso mesmo a doula é já uma figura instituida no conjunto dos tecnicos que acompanham a mulher grávida, em países como a Suiça, Inglaterra, Holanda, entre outros.
De um modo geral, os estudos referem uma diminuição na ansiedade da mulher durante toda a gravidez, uma diminuição do número de cesarianas, uma diminuição da necessidade de intervenções médicas invasivas, uma diminuição na duração do trabalho de parto, uma redução nos pedidos de anestesia, diminuição do risco de depressão pós-parto, um aumento do nível de atenção e receptividade para com o bebé, aumento do sucesso da amamentação e aumento da satisfação da mulher face à sua experiência de parto.
Face a estes resultados, podemos perguntar porquê em Portugal ainda não é vulgar as mulheres terem uma doula. Bem, a resposta é simples....
Tal como acontece com tudo o que é "novo", a figura da doula pode parecer ameaçadora a vários níveis.
Por um lado, muitas pessoas confundem a doula com a parteira, por outro, os técnicos de saúde ficam sensíveis a ter mais uma pessoa a "atrapalhar" os procedimentos médicos, por outro ainda a família sente que esse papel está muito bem desempenhado pelo companheiro da mulher grávida...
No entanto, as pessoas que ultrapassam a barreira do "medo do desconhecido" fácilmente reconhecem na doula competências paralelas e não antagónicas ou divergentes a todas as outras personagens que povoam o mundo de uma grávida.
Por um lado, a doula não sabe medicina, por isso nunca irá avaliar o estado de saúde ou realizar intervenções médicas. Por outro lado, como técnico competente na área do apoio emocional e ainda conhecendo algumas técnicas não médicas de alívio da dor, a doula fácilmente consegue resgatar na mulher a força inata que esta tem para parir, ajudando-a a manter-se focada no momento presente e assim, facilitar bastante o trabalho do médico ou enfermeiro na prossecução de um parto de sucesso.
Em relação ao papel do companheiro da mulher (pai do bebé que irá nascer), ao diminuir a ansiedade da mulher (e consequentemente do casal), a doula potencia todo o importantíssimo trabalho que aquele tem durante todo o processo, aumentando a confiança e a união do casal.
Actualmente, em Portugal, só quem sabe que existem doulas e procura por uma consegue ter acesso ao trabalho por elas desempenhado... não deveria ser assim! Penso ser importante incluirmos formalmente o papel da doula no apoio à gravidez, parto e pós-parto, para que seja aumentada a humanização do parto no nosso país.
Assim, com uma doula para cada mulher, certamente teremos um Portugal mais acolhedor para aqueles que nascem, já que a doula representa a ponte entre a emoção dos pais que esperam a chegada do seu filho e o saber científico dos tecnicos de saúde, necessário para garantir uma viagem segura até ao mundo da maternidade e da "família".
Em nome de todas as doulas que trabalham em portugal, desejo um novo ano repleto de amor em todas as famílias... porque a família é o primeiro mundo que conhecemos!
.
domingo, 27 de dezembro de 2009
Publicada por Anónimo à(s) 22:51 0 comentáriosEtiquetas: Amamentação, Gravidez, Parto
Consequências emocionais das práticas modernas de dar à luz
parto. Isto quer dizer que internamente a criança tem um plano temporal, ela não só participa na decisão de
quando vai nascer, podemos mesmo dizer que o nascimento é um acto decidido pelo feto. Ao esperar por
este momento a mãe e os profissionais que assistem ao parto e ao nascimento mostram um sinal de respeito
pela criança. Tomando esta atitude dá-se o devido tempo à criança e a mãe até que estejam preparadas para o
momento de dar à luz.
O que significa intervir de fora nesse plano temporal interno propositadamente? Interrompe-se um dos mais
importantes episódios do processo natural de desenvolvimento. O organismo não vai ter tempo de atingir a
maturação. É-lhe retirada a possibilidade de decidir. Nas cesarianas marcadas e realizadas antes do início do
trabalho de parto faltam um conjunto de hormonas à mãe, a hormona do parto, falta a protecção e as
estimulações necessárias ao acto de parir e ao acto de nascer. As crianças são abruptamente, em poucos
minutos, arrancadas ao seu meio ambiente conhecido. Muitos recém-nascidos parecem surpreendidos,
desprevenidos e desorientados. Subitamente a penumbra, o calor, o suporte e todo o apoio que o útero
oferece ao seu corpo desapareceram. Depois de um nascimento assim pode frequentemente reconhecer-se o
susto bem presente nos olhos do bebé.
Uma cesariana, quer seja de urgência ou marcada antecipadamente conduz sempre a uma interrupção
passageira do processo social de dar à luz: o vínculo, a comunicação emocional e corporal entre mãe e filho
sofrem um corte, que vai necessariamente deixar marcas. Cada um dos dois vive a situação individualmente,
a anestesia interpõe-se entre eles. Nos primeiros minutos depois do nascimento o filho poderá não estar junto
da mãe, e nos dias seguintes muitas mulheres têm tais dores que mal conseguem pegar no bebé ao colo. As
mulheres que desejaram um parto vaginal mas que necessitaram de uma cesariana por razões médicas podem
ainda sentir-se incompetentes por não terem sido capazes de um parto normal.
Visto do lado da criança as contracções são sentidas pelo seu corpo como um intenso acontecimento táctil e
corporal, que exprime o próprio processo de transição. Quando a estimulação prevista na natureza - a
contracção do útero e a expansão, no intervalo entre contracções - não é, ou quase não é vivida devido às
anestesias, podemos estar perante uma das causas do frequente sentimento de falta de consciência corporal
no adulto. (...)"
Ler mais: http://www.asaseraizes.pt/docs/daraluz.pdf
Paula Diederichs, adaptado por Claudia Pinheiro. Publicação original: Hebammeninfo 5/06: Die Sektio im Brennpunkt: Ist es egal, wann und wie wir geboren werden? Die emotionalen Auswirkungen der modernen Geburtspraktiken. (A Cesariana em debate: Tanto faz, onde e como nascemos? Sobre as consequências emocionais das práticas modernas de nascer) de Paula Diederichs, em www.asaseraizes.pt/textos
Doulas
As variantes da família clássica e tradicional, actualmente, são muitas.... e todas bem vindas. Mas não é acerca desta multiplicidade que me proponho escrever neste momento.
Gostaria de abordar a forma biológica de ter um filho. Um homem, uma mulher, uma gravidez, um parto e um bebé. Tudo muito natural e lógico.... um quadro de desejo, força e amor.....
Gostaria de abordar, neste contexto, o papel da doula na promoção de uma gravidez, parto e pós-parto plenos de consciência, tranquilidade, poder e afectividade....
Surge a questão....
"Quem é a doula?"
Apesar de em Portugal o termo "doula" ser desconhecido, em muitos outros países, dentro e fora da europa, esta é já uma palavra que faz parte do vocabulário de um casal que espera um filho... e, em última análise, esta palavra, apesar de estranha, representa nada mais que o papel desempenhado desde sempre, por alguém que acompanha a mulher durante toda a metamorfose que acontece no seu corpo, culminando no parto e na amamentação do bebé esperado.
A doula é a pessoa que, não sendo nem médico, nem enfermeiro, nem familiar da mulher grávida, tem formação específica e contínua para acompanhar do ponto de vista emocional e informativo a mulher, durante toda a gravidez, parto e pós-parto. Esta pessoa, que geralmente é uma mulher que já passou pela experiência de gravidez e parto, mas que em alguns casos pode ainda não ter tido filhos ou ser um homem, é alguém que sentiu um forte chamamento interior no sentido de ajudar outras mulheres a passar pela extraordinaria viagem que conduz à maternidade, por perceber que o processo implicado tem um fortíssimo componente emocional que raras vezes é tido em consideração nos acompanhementos tradicionais da gravidez e parto e que tanto influencia os processos fisiológicos em curso.
Este acompanhamento por uma doula já foi provado como muito benéfico em todas as fases da gravidez, parto e pós-parto em variadissimos estudos (Hofmeyr, Nikodem VC, Wolman WL, Chalmers BE, Kramer T. "Companionship to modify the clinical birth environment: effects on progress and perceptions of labour, and breastfeeding" Br J Obstet Gynaecol, 98:756-764; Langer A, Campero L, Garcia C, Reynoso S. "Effects of Psychosocial support during labour and childbirth on breast feeding, medical intervencions, and mothers`well-being in Mexican public hospital: a randomized clinical trial "Br J Obstet Gynecol, 105: 1056-1063, 1998; Kennell JH, McGrath SK "Labor Support by a Doula for middle-income couples; the effect on cesarean rates" Pediatrics Res, 32:12A,1993; etc...).
Por isso mesmo a doula é já uma figura instituida no conjunto dos tecnicos que acompanham a mulher grávida, em países como a Suiça, Inglaterra, Holanda, entre outros.
De um modo geral, os estudos referem uma diminuição na ansiedade da mulher durante toda a gravidez, uma diminuição do número de cesarianas, uma diminuição da necessidade de intervenções médicas invasivas, uma diminuição na duração do trabalho de parto, uma redução nos pedidos de anestesia, diminuição do risco de depressão pós-parto, um aumento do nível de atenção e receptividade para com o bebé, aumento do sucesso da amamentação e aumento da satisfação da mulher face à sua experiência de parto.
Face a estes resultados, podemos perguntar porquê em Portugal ainda não é vulgar as mulheres terem uma doula. Bem, a resposta é simples....
Tal como acontece com tudo o que é "novo", a figura da doula pode parecer ameaçadora a vários níveis.
Por um lado, muitas pessoas confundem a doula com a parteira, por outro, os técnicos de saúde ficam sensíveis a ter mais uma pessoa a "atrapalhar" os procedimentos médicos, por outro ainda a família sente que esse papel está muito bem desempenhado pelo companheiro da mulher grávida...
No entanto, as pessoas que ultrapassam a barreira do "medo do desconhecido" fácilmente reconhecem na doula competências paralelas e não antagónicas ou divergentes a todas as outras personagens que povoam o mundo de uma grávida.
Por um lado, a doula não sabe medicina, por isso nunca irá avaliar o estado de saúde ou realizar intervenções médicas. Por outro lado, como técnico competente na área do apoio emocional e ainda conhecendo algumas técnicas não médicas de alívio da dor, a doula fácilmente consegue resgatar na mulher a força inata que esta tem para parir, ajudando-a a manter-se focada no momento presente e assim, facilitar bastante o trabalho do médico ou enfermeiro na prossecução de um parto de sucesso.
Em relação ao papel do companheiro da mulher (pai do bebé que irá nascer), ao diminuir a ansiedade da mulher (e consequentemente do casal), a doula potencia todo o importantíssimo trabalho que aquele tem durante todo o processo, aumentando a confiança e a união do casal.
Actualmente, em Portugal, só quem sabe que existem doulas e procura por uma consegue ter acesso ao trabalho por elas desempenhado... não deveria ser assim! Penso ser importante incluirmos formalmente o papel da doula no apoio à gravidez, parto e pós-parto, para que seja aumentada a humanização do parto no nosso país.
Assim, com uma doula para cada mulher, certamente teremos um Portugal mais acolhedor para aqueles que nascem, já que a doula representa a ponte entre a emoção dos pais que esperam a chegada do seu filho e o saber científico dos tecnicos de saúde, necessário para garantir uma viagem segura até ao mundo da maternidade e da "família".
Em nome de todas as doulas que trabalham em portugal, desejo um novo ano repleto de amor em todas as famílias... porque a família é o primeiro mundo que conhecemos!
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Manifesto
Aqui se apresenta a proposta de um cidadão português que, no decurso da sua docência universitária, obra publicada e intervenção cultural, tem seguido com interesse e preocupação os rumos recentes de Portugal e do mundo. Convicto de que urge refundar Portugal, eis uma lista de prioridades para o país e o mundo melhor a que temos direito e que todos temos o dever de construir. Agradecem-se os contributos críticos, de modo a que a proposta se aperfeiçoe e complete e sirva de plataforma para a discussão pública e a intervenção cultural e cívica que visa, pelos meios que se verificarem ser os mais oportunos.
I – Portugal é uma nação que, pela diáspora planetária da sua história e cultura, pela situação geográfica e pela língua, com 240 milhões de falantes em toda a comunidade lusófona, tem a potencialidade de ser uma nação cosmopolita, uma nação de todo o mundo, que estabeleça pontes, mediações e diálogos entre todos os povos, culturas e civilizações. Este perfil vocaciona-nos para o cultivo dos valores mais universalistas, promovendo o diálogo com todas as culturas mundiais. Os valores mais universalistas são aqueles que promovam o melhor possível para todos, uma cultura da paz, da compreensão e da fraternidade à escala planetária, visando não apenas o bem da espécie humana, mas também a preservação da natureza e do bem-estar de todas as formas de vida animal, como condição da própria qualidade e dignidade da vida humana.
II – O nosso potencial universalista tem sido sistematicamente ignorado pelas nossas orientações governativas, desde a época dos Descobrimentos até hoje. Se no passado predominou a pretensão de dilatar a Fé e o Império, hoje predomina a sujeição da nação aos novos senhores do mundo, as grandes esferas de interesses político-económicos. Portugal está ao serviço da globalização de um paradigma de desenvolvimento económico-tecnológico que explora desenfreadamente os recursos naturais e instrumentaliza homens e animais, donde resulta um enorme sofrimento, um fosso crescente entre homens, classes, povos e nações, a redução da biodiversidade e o arrastar do planeta para uma crise sem precedentes.
III – A assunção do nosso potencial universalista implica uma reforma das mentalidades, com plena expressão ética, cultural, social, política e económica. Nesse sentido se propõem as seguintes medidas urgentes, que visam implementar entre nós um novo paradigma, convergente com as melhores aspirações humanas e com os grandes desafios deste início do século XXI:
1 – Portugal deve dar prioridade absoluta a um desenvolvimento económico sustentado, que salvaguarde a harmonia ecológica e o bem-estar da população humana e animal. A Constituição da República Portuguesa deve consagrar a senciência dos animais – a sua capacidade de sentir dor e prazer - e o seu direito à vida e ao bem-estar. Portugal deve aprender com a legislação das nações europeias mais evoluídas neste domínio, adaptando-a à realidade nacional.
2 – Portugal deve ensaiar modelos de desenvolvimento alternativos, que preservem e promovam a diversidade cultural, biológica e ecoregional. Há que promover a sustentabilidade económica do país, desenvolvendo as economias locais. Devem-se substituir quanto possível as energias não-renováveis (petróleo, carvão, gás natural, energia nuclear), por energias renováveis e alternativas (solar, eólica, hidráulica, marmotriz, etc.), superando o paradigma, a vulnerabilidade e as dependências de uma economia baseada no petróleo e nos hidrocarbonetos. Deve-se particularmente explorar as potencialidades energéticas dos nossos mais de 900 km de costa.
3 - Devem-se ensaiar formas de organização económica cujo objectivo fundamental não seja apenas o lucro financeiro. Deve-se assegurar o predomínio da ética e da política sobre a economia, de modo a que a produção e distribuição da riqueza vise o bem comum do ecossistema e dos seres vivos, a satisfação das necessidades básicas dos homens e a melhoria geral da sua qualidade de vida, bem como o acesso de todos à educação e à cultura.
4 - Deve-se investir num programa pedagógico de redução das necessidades artificiais que permita oferecer alternativas ao produtivismo e consumismo, fazendo do trabalho e do desenvolvimento económico não um fim em si, com o inevitável dano da harmonia ecológica, da biodiversidade e do bem-estar de homens e animais, mas um mero meio para a fruição de um crescente tempo livre de modo mais gratificante e criativo. Deve-se fiscalizar mais rigorosamente o crédito ao consumo, de forma a evitar o crescente endividamento das famílias.
5 – Há que criar um serviço público de saúde eficiente e acessível a todos, que inclua a possibilidade de optar por medicinas e terapias alternativas, de qualidade e eficácia comprovada, como a homeopatia, a acupunctura, a osteopatia, o shiatsu, o yoga, a meditação, etc. Estas opções, bem como os medicamentos naturais e alternativos, devem ser igualmente comparticipadas pelo Estado.
6 – Importa informar e sensibilizar a população para os efeitos nocivos de vários hábitos alimentares - nomeadamente o consumo excessivo de carne - , para o meio ambiente, a saúde pública e o bem-estar de homens e animais. Sendo uma das principais causas do aquecimento global, do esgotamento dos recursos naturais e do sofrimento dos animais, há que restringir e criar alternativas à agropecuária intensiva. Deve-se divulgar a possibilidade de se viver saudavelmente com uma alimentação não-carnívora, vegetariana ou vegan e devem-se reduzir os impostos sobre os produtos de origem natural e biológica.
7 - Portugal, a par do desenvolvimento económico sustentado, deve investir sobretudo nos domínios da saúde, da educação e da cultura, não só tecnológica, mas filosófica, literária, artística e científica. O Orçamento do Estado deve reflectir isso, reduzindo os gastos com a Defesa, o Exército e as obras públicas de fachada. Urge moralizar e reduzir os salários e reformas de presidentes, ministros, deputados e detentores de cargos na administração pública e privada, a par do aumento dos impostos sobre os grandes rendimentos.
8 - Redignificar, com exigência, os professores e todos os profissionais ligados à educação e à cultura. A educação e a cultura não devem estar dependentes de critérios economicistas e das flutuações do mercado de emprego. Os vários níveis de ensino visarão a formação integral da pessoa, não a sacrificando a uma mera funcionalização profissional. A par disto, há que sensibilizar as famílias para não abandonarem as crianças em frente dos computadores e dos maus programas de televisão. A televisão pública deve melhorar o seu nível, investindo mais em programas de informação e formação.
Nos vários níveis de ensino deve ser introduzida uma disciplina que sensibilize para o respeito pela natureza, a vida humana e a vida animal, bem como outra que informe sobre a diversidade de paradigmas culturais, morais e religiosos coexistentes nas sociedades contemporâneas. Nos mesmos níveis de ensino deve estar presente a cultura portuguesa e lusófona, bem como as várias culturas planetárias. Um português culto e bem formado deve ter uma consciência lusófona e universal, não apenas europeia-ocidental.
A meditação, com benefícios científicamente reconhecidos - quanto ao equilíbrio e saúde psicofisiológicos, ao aumento da concentração e da memória, à melhoria na aprendizagem, à maior eficiência no trabalho e à harmonia nas relações humanas - , deve ser facultada em todos os níveis dos currículos escolares, em termos puramente laicos, sem qualquer componente religiosa.
9 - Portugal deve assumir-se na primeira linha da defesa dos direitos humanos e dos seres vivos em todos os pontos do planeta em que sejam violados, sem obedecer a pressões políticas ou económicas internacionais. Portugal deve ser um lugar de bom acolhimento para todos os emigrantes e estrangeiros que o procurem para trabalhar e viver.
10 – Portugal deve aprofundar as relações culturais, económicas e políticas com as nações de língua portuguesa, incluindo a região da Galiza, Goa, Damão, Diu, Macau e os outros lugares da nossa diáspora onde se fala o português, sensibilizando a comunidade lusófona para as causas universais, ambientais, humanitárias e animais.
11 - Portugal deve promover a Lusofonia e os valores universalistas da cultura portuguesa e lusófona no mundo, dando o seu melhor exemplo e contributo para converter a sociedade planetária na possível comunidade ético-cultural e ecuménica visada entre nós por Luís de Camões, Padre António Vieira, Fernando Pessoa e Agostinho da Silva. Portugal deve assumir-se como um espaço multicultural e de convivência com a diversidade, um espaço privilegiado para o tão actual desafio do diálogo intercultural e inter-religioso, alargado ao diálogo entre crentes e descrentes. Deve precaver-se contudo de tentações neo-imperialistas e de qualquer nacionalismo lusófono ou lusocêntrico. A Lusofonia não deve abafar outras línguas e culturas que existam no seu espaço.
12 - Verifica-se haver em Portugal e na Europa em geral uma grave crise de representação eleitoral, patente na elevada abstenção e descrédito dos políticos, dos partidos e da política, os quais, segundo a opinião geral, apenas promovem o acesso ao poder de indivíduos e grupos que sacrificam o bem comum a interesses pessoais e particulares, com destaque para os das grandes forças económicas. As eleições são assim sistematicamente ganhas por representantes de minorias, relativamente à totalidade dos cidadãos eleitores, que governam isolados da maioria real das populações, que os consideram com alheamento, desconfiança e desprezo, tornando-se vítimas passivas das suas políticas. O actual sistema eleitoral também não promove a melhor justiça representativa, não facilitando a representação de uma maior diversidade de forças políticas e limitando-a às organizações partidárias, o que contribui para a instrumentalização do aparelho de Estado, dos lugares de decisão político-económica e da comunicação social pelos grandes partidos.
Esta é uma situação que compromete seriamente a democracia e que a história ensina anteceder todas as tentativas de soluções ditatoriais. Há que regenerar a democracia em Portugal, reformando o estado e o sistema eleitoral segundo modelos que fomentem a mais ampla participação e intervenção política da sociedade civil, facilitando a representação de novas forças políticas e possibilitando que cidadãos independentes concorram às eleições. Deve-se recuperar a tradição municipalista portuguesa e promover uma regionalização e descentralização administrativa equilibradas, assegurando mecanismos de prevenção e controlo dos despotismos locais.
Há que colocar a política ao serviço da ética e da cultura e mobilizar a população para a intervenção cívica e política em torno dos desafios fundamentais do nosso tempo, com destaque para a protecção da natureza, o bem-estar dos seres vivos e uma nova consciência planetária. Há que mobilizar os cidadãos indiferentes e descrentes da vida política, a enorme percentagem de abstencionistas e todos aqueles que se limitam a votar, para a responsabilidade de reflectirem, discutirem e criarem o melhor destino a dar à nação. Há que, dentro dos quadros democráticos e legais, promover formas alternativas de intervenção cultural, social e cívica, que permitam antecipar tanto quanto possível a realidade desejada, sem depender dos poderes instituídos.
Convicto de que estas medidas permitirão que Portugal recupere o pioneirismo e criatividade que o caracterizou no impulso dos Descobrimentos, mas agora sem escravizar e explorar outros povos, apelo a que todos dêem o vosso contributo para a discussão, aperfeiçoamento e divulgação deste Manifesto. De todos nós depende que ele se constitua na plataforma de um movimento cívico e cultural de reflexão e acção, que nos arranque ao comodismo e passividade em que estamos instalados.
Por um Outro Portugal!
Contribuidores
- Ana Moreira
- Ana Rodrigues
- Bernardo Almeida
- Dr Carlos Gonçalves
- Duarte D. Braga
- Duarte
- Estudo Geral
- Fernando Emídio
- Gil
- Helena Caetano
- Isabel Rosete
- Isabel Santiago
- João Beato
- João Lopes Aguiar
- José Magalhães
- Luís Miguel Dantas
- Luis Resina
- Luis Resina
- MJC
- Margarida
- Maria de Lourdes Teixeira Puga Alvarez
- Maribel Sobreira
- Maurícia Teles da Silva
- Minda
- Moysés
- P.F. Antunes
- Paulo Borges
- Pedro Miguel Estrela
- Pedro Paz
- Pedro Sena
- Rui Matoso
- Rute Pinheiro
- Sérgio Mago
- Unknown
- aluzdascasas
- ana
- castus
- ethel
- jads
- lurdes
- maria alvarez
- paula