Um espaço para reinventar Portugal como nação de todo o Mundo, que estabeleça pontes, mediações e diálogos entre todos os povos, culturas e civilizações e promova os valores mais universalistas, conforme o símbolo da Esfera Armilar. Há que visar o melhor possível para todos, uma cultura da paz, da compreensão e da fraternidade à escala planetária, orientada não só para o bem da espécie humana, mas também para a preservação da natureza e o bem-estar de todas as formas de vida sencientes.

"Nós, Portugal, o poder ser"

- Fernando Pessoa, Mensagem.

Da Amamentação

Parecemo-nos tanto com os nossos primos, os grandes símios, que nos reconhecemos no seu comportamento e eles no nosso. Podem aprender connosco e também nos podem ensinar, como explica Eva, uma mãe de Barcelona, que teve o privilégio de viver um momento mágico e de saber reconhecê-lo como tal:

Estávamos no jardim zoológico e aproximámo-nos do recinto dos chimpanzés. Estávamos a observá-los através de uma enorme parede de vidro, quando Xavi, o nosso filho mais novo, com três meses começou a chorar. Um par de chimpanzés aproximou-se do vidro, em direcção a ele, e colou as mãos ao vidro, tentando tocar-lhe. Um dos chimpanzés era uma velha fêmea que, quando viu que Xavi continuava a chorar, levantou o braço e ofereceu o peito ao meu bebé. Xavi deixou de chorar e a fêmea afastou-se do vidro, mantendo-se perto dele, e tentou acariciá-lo com os dedos. Quando o viu recomeçar a chorar, voltou a oferecer-lhe o peito.

Além de sentir que tínhamos vivido algo de muito especial, esta experiência fez-me sentir também um pouco triste. Há dois dias, uma velha fêmea de chimpanzé, obrigada a viver num jardim zoológico, não hesitara em oferecer o peito a uma cria de outra espécie que chorava; há um mês e meio, o meu bebé estava a chorar numa reunião e a maioria dos presentes insistia em que não devia voltar a dar-lhe o peito, que o acostumaria mal, e que o deixasse no carrinho (houve mesmo quem dissesse que o menino estava nervoso porque sentia saudade do seu berço... Sem comentários).

Carlos González, Bésame Mucho, Cascais, Editora Pergaminho, 2005, p.44

2 comentários:

Kunzang Dorje disse...

Publico este pequeno texto de González inspirado pelos recentes posts de Cleo. Sou pai de dois meninos, um com dois anos e outro com seis meses. Apesar de serem irmãos, são miúdos muito diferentes. Uma das diferenças é que o mais velho nunca mamou; o outro só mama, rejeitando sempre uma tentativa por parte dos pais em administrar-lhe um biberon... Julgo que uma das causas para o facto de o mais velho nunca ter mamado foi o facto de logo à nascença lhe terem dado um líquido através de um biberon para supostamente "limpar" os orgãos do sistema digestivo, prática que, suponho eu, é corrente em muitos hospitais. Para além de ter sido logo afastado da mãe à nascença - tendo sido esta colocada numa sala de recobro, juntamente com outros doentes que não tinham dado à luz - fizeram com que o primeiro contacto do bebé fosse uma tetina de borracha... Já com o mais novo, foi o oposto.
Não pretendo aqui defender uma posição radical, pois acredito na filosofia do meio e não na dos opostos. O que me parece é que o mundo moderno tecnológico e científico é por natureza separador. Tudo separa, tudo cataloga, tudo define, tudo denomina e compartimenta. Assim nos separamos de Deus. Assim nos separamos do fundo primordial que há em todos os seres sencientes. Assim nos isolamos, logo à nascença da nossa mãe. É que a amamentação não é só alimentar o bebé para que ele cresça e sobreviva. Quando olho para o meu filho durante a amamentação, sinto a sua ligação profunda com a mãe, como que naquele momento mágico e com contornos de sagrado, os seus corpos estivessem fundidos, deixando a mãe de ser mãe e o filho de ser filho. Julgo que esta ligação é uma forma de re-ligação que todos nós, seres fragmentados e separados, diria até definidos, buscamos com a natureza/cosmos, num esquecimento que no fundo é a lembrança do que somos. Os bebés choram: sentem-se separados, isolados. Procuram a mãe, que compassivamente lhe dá a mama, fundindo-se no todo seus corpos. Nós, adultos, sofremos. Sentimo-nos fragmentados, separados, estilhaçados. É a saudade. Então, movidos pela saudade buscamos o leite da Mãe-Deusa. Será que o mundo modernizado quer vender-nos uma Mãe-Deusa de borracha e composta de leite artificial? Não será isso o progresso tecnológico? O fabrico de deuses artificiais, dessacralizados, substituintes dos deuses dos mitos, aqueles verdadeiros que inspiraram os portugueses de quinhentos na demanda do Graal?

Anónimo disse...

Que lindo depoimento! Obrigada!
De facto estamos num momento em que necessitamos de questionar várias coisas, entre elas, as implicações que tanto avanço tecnológico nos trouxeram. Penso ser possivel ficarmos apenas com o bom e regeitarmos o mau... como avaliamos?, bem, julgo que o treino de nos reencontrarmos conosco mesmos, o exercício de nos voltarmos para dentro e escutarmos o que se passa em nossa alma, nos permitirá, aos poucos, reconquistar uma velha aliada nossa: a intuição.
O ritmo acelerado da sociedade moderna não se compadece com o tempo dilatado que as crianças e bebés nos exigem; para muitos "Homens modernos", os bebés são, sim, muito "mal educados": pedem para comer a qualquer hora, choram sem respeitarem o sono de ninguém e sujam o colo de quem está pronto para sair... Mas esses bebés e essas crianças são os Homens de amamnhã. Se não respeitarmos o tempo dilatado que necessitam, o que estaremos a "amputar" no seu afecto?
Muitos estudos referem que a confiança "básica no mundo" se estabelece num momento de desenvolvimento muito precoce, com base na segurança que o colo permanente da mãe e do pai dá ao bebé recém-nascido; dar sempre o colo pedido é dar a segurança que o bebé precisa para, mais tarde, explorar o mundo sozinho, tornando-se um adulto seguro e confiante nas suas capacidades.
Dar de mamar é saúde, alimento e protecção.... mas é também carinho, conforto e segurança.
Temos, de facto, muito a (re)aprender com nossos irmãos macacos!

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Da Amamentação

Parecemo-nos tanto com os nossos primos, os grandes símios, que nos reconhecemos no seu comportamento e eles no nosso. Podem aprender connosco e também nos podem ensinar, como explica Eva, uma mãe de Barcelona, que teve o privilégio de viver um momento mágico e de saber reconhecê-lo como tal:

Estávamos no jardim zoológico e aproximámo-nos do recinto dos chimpanzés. Estávamos a observá-los através de uma enorme parede de vidro, quando Xavi, o nosso filho mais novo, com três meses começou a chorar. Um par de chimpanzés aproximou-se do vidro, em direcção a ele, e colou as mãos ao vidro, tentando tocar-lhe. Um dos chimpanzés era uma velha fêmea que, quando viu que Xavi continuava a chorar, levantou o braço e ofereceu o peito ao meu bebé. Xavi deixou de chorar e a fêmea afastou-se do vidro, mantendo-se perto dele, e tentou acariciá-lo com os dedos. Quando o viu recomeçar a chorar, voltou a oferecer-lhe o peito.

Além de sentir que tínhamos vivido algo de muito especial, esta experiência fez-me sentir também um pouco triste. Há dois dias, uma velha fêmea de chimpanzé, obrigada a viver num jardim zoológico, não hesitara em oferecer o peito a uma cria de outra espécie que chorava; há um mês e meio, o meu bebé estava a chorar numa reunião e a maioria dos presentes insistia em que não devia voltar a dar-lhe o peito, que o acostumaria mal, e que o deixasse no carrinho (houve mesmo quem dissesse que o menino estava nervoso porque sentia saudade do seu berço... Sem comentários).

Carlos González, Bésame Mucho, Cascais, Editora Pergaminho, 2005, p.44

2 comentários:

Kunzang Dorje disse...

Publico este pequeno texto de González inspirado pelos recentes posts de Cleo. Sou pai de dois meninos, um com dois anos e outro com seis meses. Apesar de serem irmãos, são miúdos muito diferentes. Uma das diferenças é que o mais velho nunca mamou; o outro só mama, rejeitando sempre uma tentativa por parte dos pais em administrar-lhe um biberon... Julgo que uma das causas para o facto de o mais velho nunca ter mamado foi o facto de logo à nascença lhe terem dado um líquido através de um biberon para supostamente "limpar" os orgãos do sistema digestivo, prática que, suponho eu, é corrente em muitos hospitais. Para além de ter sido logo afastado da mãe à nascença - tendo sido esta colocada numa sala de recobro, juntamente com outros doentes que não tinham dado à luz - fizeram com que o primeiro contacto do bebé fosse uma tetina de borracha... Já com o mais novo, foi o oposto.
Não pretendo aqui defender uma posição radical, pois acredito na filosofia do meio e não na dos opostos. O que me parece é que o mundo moderno tecnológico e científico é por natureza separador. Tudo separa, tudo cataloga, tudo define, tudo denomina e compartimenta. Assim nos separamos de Deus. Assim nos separamos do fundo primordial que há em todos os seres sencientes. Assim nos isolamos, logo à nascença da nossa mãe. É que a amamentação não é só alimentar o bebé para que ele cresça e sobreviva. Quando olho para o meu filho durante a amamentação, sinto a sua ligação profunda com a mãe, como que naquele momento mágico e com contornos de sagrado, os seus corpos estivessem fundidos, deixando a mãe de ser mãe e o filho de ser filho. Julgo que esta ligação é uma forma de re-ligação que todos nós, seres fragmentados e separados, diria até definidos, buscamos com a natureza/cosmos, num esquecimento que no fundo é a lembrança do que somos. Os bebés choram: sentem-se separados, isolados. Procuram a mãe, que compassivamente lhe dá a mama, fundindo-se no todo seus corpos. Nós, adultos, sofremos. Sentimo-nos fragmentados, separados, estilhaçados. É a saudade. Então, movidos pela saudade buscamos o leite da Mãe-Deusa. Será que o mundo modernizado quer vender-nos uma Mãe-Deusa de borracha e composta de leite artificial? Não será isso o progresso tecnológico? O fabrico de deuses artificiais, dessacralizados, substituintes dos deuses dos mitos, aqueles verdadeiros que inspiraram os portugueses de quinhentos na demanda do Graal?

Anónimo disse...

Que lindo depoimento! Obrigada!
De facto estamos num momento em que necessitamos de questionar várias coisas, entre elas, as implicações que tanto avanço tecnológico nos trouxeram. Penso ser possivel ficarmos apenas com o bom e regeitarmos o mau... como avaliamos?, bem, julgo que o treino de nos reencontrarmos conosco mesmos, o exercício de nos voltarmos para dentro e escutarmos o que se passa em nossa alma, nos permitirá, aos poucos, reconquistar uma velha aliada nossa: a intuição.
O ritmo acelerado da sociedade moderna não se compadece com o tempo dilatado que as crianças e bebés nos exigem; para muitos "Homens modernos", os bebés são, sim, muito "mal educados": pedem para comer a qualquer hora, choram sem respeitarem o sono de ninguém e sujam o colo de quem está pronto para sair... Mas esses bebés e essas crianças são os Homens de amamnhã. Se não respeitarmos o tempo dilatado que necessitam, o que estaremos a "amputar" no seu afecto?
Muitos estudos referem que a confiança "básica no mundo" se estabelece num momento de desenvolvimento muito precoce, com base na segurança que o colo permanente da mãe e do pai dá ao bebé recém-nascido; dar sempre o colo pedido é dar a segurança que o bebé precisa para, mais tarde, explorar o mundo sozinho, tornando-se um adulto seguro e confiante nas suas capacidades.
Dar de mamar é saúde, alimento e protecção.... mas é também carinho, conforto e segurança.
Temos, de facto, muito a (re)aprender com nossos irmãos macacos!

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