Um espaço para reinventar Portugal como nação de todo o Mundo, que estabeleça pontes, mediações e diálogos entre todos os povos, culturas e civilizações e promova os valores mais universalistas, conforme o símbolo da Esfera Armilar. Há que visar o melhor possível para todos, uma cultura da paz, da compreensão e da fraternidade à escala planetária, orientada não só para o bem da espécie humana, mas também para a preservação da natureza e o bem-estar de todas as formas de vida sencientes.

"Nós, Portugal, o poder ser"

- Fernando Pessoa, Mensagem.

Carta demolidora ao Papa, por Anselmo Borges

Carta demolidora ao Papa, por ANSELMO BORGES, no DN de hoje, 6.2.2010

O autor da carta, Henri Boulad, 78 anos, é um jesuíta egípcio de rito melquita. Não é um jesuíta qualquer: há treze anos que é reitor do colégio dos jesuítas no Cairo, depois de ter sido superior dos jesuítas em Alexandria, superior regional, professor de Teologia no Cairo. Conhece bem a hierarquia católica do Egipto e da Europa. Visitou quarenta países nos vários continentes, dando conferências, e publicou trinta livros em quinze línguas. A sua carta, inspirada na "liberdade dos filhos de Deus" e a partir de "um coração que sangra ao ver o abismo no qual a nossa Igreja está a precipitar-se", funda-se, pois, num "conhecimento real da Igreja universal e da sua situação actual".

A carta tem três partes: a presente situação, a reacção da Igreja, propostas.
Há constatações que não podem ser ignoradas. 1. Assiste-se à queda constante da prática religiosa. Quem frequenta as igrejas na Europa e no Canadá são pessoas da terceira idade, de tal modo que, por este andar, será necessário fechar igrejas e transformá-las em museus, mesquitas ou bibliotecas. 2. Os seminários e os noviciados também continuam a esvaziar-se. 3. São muitos os sacerdotes que abandonam, e os que ficam - a sua média etária ultrapassa frequentemente a da reforma - têm a seu cargo várias paróquias. "Muitos deles, tanto na Europa como no Terceiro Mundo, vivem em concubinato à vista dos fiéis, que normalmente os aceitam, e do seu bispo, que não aceita, mas vai fechando os olhos por causa da escassez de clero." 4. A linguagem da Igreja é "obsoleta, anacrónica, aborrecida, repetitiva, moralizante, completamente inadaptada ao nosso tempo". 5. Impõe-se uma "nova evangelização", inventando uma linguagem nova. "Temos de constatar que a nossa fé é muito cerebral, abstracta, dogmática, e se dirige muito pouco ao coração e ao corpo." 6. Não é, pois, de estranhar que muitos cristãos se voltem para as religiões da Ásia, as seitas, a New Age, o ocultismo. A fé cristã aparece-lhes hoje como "um enigma, restos de um passado acabado". 7. No plano moral, "as declarações do Magistério, repetidas à saciedade, sobre o casamento, a contracepção, o aborto, a eutanásia, a homossexualidade, o casamento dos padres, os divorciados que voltam a casar, etc., já não dizem nada a ninguém e apenas provocam indiferença". 8. A Igreja católica, que foi a grande educadora da Europa, "parece esquecer que esta Europa chegou à maturidade" e "não quer ser tratada como menor de idade". 9. Paradoxalmente, são as nações mais católicas do passado que agora caem no ateísmo, no agnosticismo, na indiferença. Quanto mais dominado e protegido pela Igreja foi um povo no passado, "mais forte é a reacção contra ela". 10. O diálogo com as outras Igrejas e religiões está hoje em "preocupante retrocesso".

A reacção da Igreja é a de minimizar a gravidade da situação, apelar à confiança no Senhor, apoiar-se na ala mais conservadora ou nos países do Terceiro Mundo. Esquece-se que "a modernidade é irreversível" e que também "as novas Igrejas do Terceiro Mundo atravessarão, mais cedo ou mais tarde, as mesmas crises que a velha cristandade europeia conheceu".

Que fazer? "A Igreja tem hoje uma necessidade imperiosa e urgente de uma tríplice reforma." 1. Uma reforma teológica e catequética, para repensar a fé e "reformulá-la de modo coerente para os nossos contemporâneos". 2. Uma reforma pastoral, "para repensar de cabo a rabo as estruturas herdadas do passado". 3. Uma reforma espiritual, para revitalizar a mística e repensar os sacramentos. "A Igreja de hoje é demasiado formal, demasiado formalista", como se o importante fosse "uma estabilidade puramente exterior, uma honestidade superficial, certa fachada".
Que sugere então o padre H. Boulad? "A convocatória de um sínodo geral a nível da Igreja universal, no qual participassem todos os cristãos - católicos e outros - para examinar com toda a franqueza e clareza estes e outros pontos. Esse sínodo, que duraria três anos, terminaria com uma assembleia geral que sintetizasse os resultados desta investigação e tirasse daí as conclusões."

5 comentários:

Nuno Sotto Mayor Ferrao disse...

Caríssimo Senhor Professor Paulo Borges, é inteiramente verdade que o predomínio do materialismo sobre as causas do espírito se assume como uma evidência cada vez maior nas nossas sociedades. Revejo-me em algumas das posições do ilustre sacerdote Anselmo Borges.

No entanto, quanto à linguagem moralizante e à mentalidade conservadora do clero católico, embora pessoalmente me reveja em posições mais progressistas, considero que face às muitas alienações do Homem Contemporâneo as posições institucionais da Igreja Católica servem muitas vezes de um óbvio travão às levianas inovações que se querem introduzir "a torto e a direito".

Subscrevo a proposta de um sínodo universal de todos os cristãos, porque todos temos em Jesus Cristo um exemplo de fé, de caridade, de verdade e de optimismo que tanta falta faz neste mundo de iniquidades e de decadência dos valores morais.

Contudo, não nos podemos esquecer que o papa Bento XVI teve um relevante papel na crítica do mega crise do capitalismo global de 2008/2009 ao denunciar e apelar para a necessidade de uma reconfiguração do sistema internacional na sua última e bela encíclica "Caridade na verdade", ao ponto de alguns o pensarem como eventual candidato ao Prémio Nobel da Paz em 2009.

Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt

Paulo Borges disse...

Caríssimo Professor Nuno Ferrão, tendo a estar de acordo consigo e se publiquei este texto foi como estímulo à reflexão. Longe de mim a ideia de pretender atacar uma religião ou instituição, embora me reconheça na postura mais crítica do Padre Anselmo Borges, de quem tenho a honra de ser amigo.
Saudações cordiais

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

As Igrejas só vão voltar a ter pessoas quando o Vaticano deixar as suas componentes financeiras e políticas e dar as suas riquezas aos pobres e facultar os conhecimentos que tem sobre a história da humanidade a todos. A espiritualidade só pode nascer da espiritualidade não do poder político.

Nuno Sotto Mayor Ferrao disse...

Caríssimo Senhor Professor Paulo Borges, já li alguns textos do Senhor Padre Anselmo Borges no DN e identifiquei-me bastante com alguns dos seus pontos de vista.

Também partilho, em parte, essa postura crítica, mas a questão central tem a meu ver com o facto de em tempo de crise de valores, a Igreja Católica, as outras Igrejas Cristãs e outras Religiões, que muito respeito, poderem pelo seu valor ser o esteio ético que falta nestas sociedades permissivas e excessivamente laicistas dos nossos dias. Eu próprio fiz algumas reflexões, onde sublinhei esse aspecto, sobre esta temática num post do meu blogue com o título "As implicações da ausência de Deus nas sociedades contemporâneas - breve ensaio de filosofia da história" ( in www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt/3674.html ).

Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão

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Carta demolidora ao Papa, por Anselmo Borges

Carta demolidora ao Papa, por ANSELMO BORGES, no DN de hoje, 6.2.2010

O autor da carta, Henri Boulad, 78 anos, é um jesuíta egípcio de rito melquita. Não é um jesuíta qualquer: há treze anos que é reitor do colégio dos jesuítas no Cairo, depois de ter sido superior dos jesuítas em Alexandria, superior regional, professor de Teologia no Cairo. Conhece bem a hierarquia católica do Egipto e da Europa. Visitou quarenta países nos vários continentes, dando conferências, e publicou trinta livros em quinze línguas. A sua carta, inspirada na "liberdade dos filhos de Deus" e a partir de "um coração que sangra ao ver o abismo no qual a nossa Igreja está a precipitar-se", funda-se, pois, num "conhecimento real da Igreja universal e da sua situação actual".

A carta tem três partes: a presente situação, a reacção da Igreja, propostas.
Há constatações que não podem ser ignoradas. 1. Assiste-se à queda constante da prática religiosa. Quem frequenta as igrejas na Europa e no Canadá são pessoas da terceira idade, de tal modo que, por este andar, será necessário fechar igrejas e transformá-las em museus, mesquitas ou bibliotecas. 2. Os seminários e os noviciados também continuam a esvaziar-se. 3. São muitos os sacerdotes que abandonam, e os que ficam - a sua média etária ultrapassa frequentemente a da reforma - têm a seu cargo várias paróquias. "Muitos deles, tanto na Europa como no Terceiro Mundo, vivem em concubinato à vista dos fiéis, que normalmente os aceitam, e do seu bispo, que não aceita, mas vai fechando os olhos por causa da escassez de clero." 4. A linguagem da Igreja é "obsoleta, anacrónica, aborrecida, repetitiva, moralizante, completamente inadaptada ao nosso tempo". 5. Impõe-se uma "nova evangelização", inventando uma linguagem nova. "Temos de constatar que a nossa fé é muito cerebral, abstracta, dogmática, e se dirige muito pouco ao coração e ao corpo." 6. Não é, pois, de estranhar que muitos cristãos se voltem para as religiões da Ásia, as seitas, a New Age, o ocultismo. A fé cristã aparece-lhes hoje como "um enigma, restos de um passado acabado". 7. No plano moral, "as declarações do Magistério, repetidas à saciedade, sobre o casamento, a contracepção, o aborto, a eutanásia, a homossexualidade, o casamento dos padres, os divorciados que voltam a casar, etc., já não dizem nada a ninguém e apenas provocam indiferença". 8. A Igreja católica, que foi a grande educadora da Europa, "parece esquecer que esta Europa chegou à maturidade" e "não quer ser tratada como menor de idade". 9. Paradoxalmente, são as nações mais católicas do passado que agora caem no ateísmo, no agnosticismo, na indiferença. Quanto mais dominado e protegido pela Igreja foi um povo no passado, "mais forte é a reacção contra ela". 10. O diálogo com as outras Igrejas e religiões está hoje em "preocupante retrocesso".

A reacção da Igreja é a de minimizar a gravidade da situação, apelar à confiança no Senhor, apoiar-se na ala mais conservadora ou nos países do Terceiro Mundo. Esquece-se que "a modernidade é irreversível" e que também "as novas Igrejas do Terceiro Mundo atravessarão, mais cedo ou mais tarde, as mesmas crises que a velha cristandade europeia conheceu".

Que fazer? "A Igreja tem hoje uma necessidade imperiosa e urgente de uma tríplice reforma." 1. Uma reforma teológica e catequética, para repensar a fé e "reformulá-la de modo coerente para os nossos contemporâneos". 2. Uma reforma pastoral, "para repensar de cabo a rabo as estruturas herdadas do passado". 3. Uma reforma espiritual, para revitalizar a mística e repensar os sacramentos. "A Igreja de hoje é demasiado formal, demasiado formalista", como se o importante fosse "uma estabilidade puramente exterior, uma honestidade superficial, certa fachada".
Que sugere então o padre H. Boulad? "A convocatória de um sínodo geral a nível da Igreja universal, no qual participassem todos os cristãos - católicos e outros - para examinar com toda a franqueza e clareza estes e outros pontos. Esse sínodo, que duraria três anos, terminaria com uma assembleia geral que sintetizasse os resultados desta investigação e tirasse daí as conclusões."

5 comentários:

Nuno Sotto Mayor Ferrao disse...

Caríssimo Senhor Professor Paulo Borges, é inteiramente verdade que o predomínio do materialismo sobre as causas do espírito se assume como uma evidência cada vez maior nas nossas sociedades. Revejo-me em algumas das posições do ilustre sacerdote Anselmo Borges.

No entanto, quanto à linguagem moralizante e à mentalidade conservadora do clero católico, embora pessoalmente me reveja em posições mais progressistas, considero que face às muitas alienações do Homem Contemporâneo as posições institucionais da Igreja Católica servem muitas vezes de um óbvio travão às levianas inovações que se querem introduzir "a torto e a direito".

Subscrevo a proposta de um sínodo universal de todos os cristãos, porque todos temos em Jesus Cristo um exemplo de fé, de caridade, de verdade e de optimismo que tanta falta faz neste mundo de iniquidades e de decadência dos valores morais.

Contudo, não nos podemos esquecer que o papa Bento XVI teve um relevante papel na crítica do mega crise do capitalismo global de 2008/2009 ao denunciar e apelar para a necessidade de uma reconfiguração do sistema internacional na sua última e bela encíclica "Caridade na verdade", ao ponto de alguns o pensarem como eventual candidato ao Prémio Nobel da Paz em 2009.

Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão
www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt

Paulo Borges disse...

Caríssimo Professor Nuno Ferrão, tendo a estar de acordo consigo e se publiquei este texto foi como estímulo à reflexão. Longe de mim a ideia de pretender atacar uma religião ou instituição, embora me reconheça na postura mais crítica do Padre Anselmo Borges, de quem tenho a honra de ser amigo.
Saudações cordiais

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

As Igrejas só vão voltar a ter pessoas quando o Vaticano deixar as suas componentes financeiras e políticas e dar as suas riquezas aos pobres e facultar os conhecimentos que tem sobre a história da humanidade a todos. A espiritualidade só pode nascer da espiritualidade não do poder político.

Nuno Sotto Mayor Ferrao disse...

Caríssimo Senhor Professor Paulo Borges, já li alguns textos do Senhor Padre Anselmo Borges no DN e identifiquei-me bastante com alguns dos seus pontos de vista.

Também partilho, em parte, essa postura crítica, mas a questão central tem a meu ver com o facto de em tempo de crise de valores, a Igreja Católica, as outras Igrejas Cristãs e outras Religiões, que muito respeito, poderem pelo seu valor ser o esteio ético que falta nestas sociedades permissivas e excessivamente laicistas dos nossos dias. Eu próprio fiz algumas reflexões, onde sublinhei esse aspecto, sobre esta temática num post do meu blogue com o título "As implicações da ausência de Deus nas sociedades contemporâneas - breve ensaio de filosofia da história" ( in www.cronicasdoprofessorferrao.blogs.sapo.pt/3674.html ).

Saudações cordiais, Nuno Sotto Mayor Ferrão

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