Um espaço para reinventar Portugal como nação de todo o Mundo, que estabeleça pontes, mediações e diálogos entre todos os povos, culturas e civilizações e promova os valores mais universalistas, conforme o símbolo da Esfera Armilar. Há que visar o melhor possível para todos, uma cultura da paz, da compreensão e da fraternidade à escala planetária, orientada não só para o bem da espécie humana, mas também para a preservação da natureza e o bem-estar de todas as formas de vida sencientes.

"Nós, Portugal, o poder ser"

- Fernando Pessoa, Mensagem.

Apontamentos para uma reflexão sobre educação

APONTAMENTOS PARA UMA REFLEXÃO SOBRE EDUCAÇÃO

I
“Onde é que o homem livre é a finalidade, em lugar do homem culto?
(Max Stiner, Textos dispersos)

O que se entende por educar? Afinal, os seres humanos, em todas as culturas, educaram os seus filhos. Não são apenas conhecimentos especializados que são transmitidos, mas também um modelo de Homem, um modelo de vida e de sociedade. Assim aconteceu com os gregos clássicos, com os escolásticos medievais, no Iluminismo, ou nas sociedades de espectáculo e tecnológicas de hoje. Não se trata apenas de formar o homem, a educação fundamenta-se na ideia de um mais que o homem. Como diria Novalis: “Não podemos ser simplesmente homens, devemos também ser mais do que homens.” (Novalis, Fragmentos)
Como realiza o homem o seu mais? Ao longo do tempo, foi-se criando a ideia e a esperança de que pela educação, ao formar os homens, podendo influenciar e determinar a partir do ainda indeterminado, se pudesse, tal como um artesão divino, esculpir aquilo que se consideraria mais perfeito, mais naturalmente humano, ou seja, mais de acordo com a natureza do humano. E de uma forma ou doutra, os utópicos da educação sempre sonharam em formar seres livres que contribuíssem para a construção de uma sociedade mais justa e bela. Assim, trata-se de saber que espécie de humano queremos formar hoje?
Herdeiros dos belos ideais da Ilustração e da revolução francesa, muitos de nós continuam a defender a crença de que a educação é condição de progresso, no sentido em que a espécie humana, e cada um em particular, pode através do esforço da educação, desenvolver, aperfeiçoar e realizar as qualidades da humanidade. Daí que a educação seja indissociável da evolução histórica da humanidade. Assim o afirma o ilustre filósofo das Luzes Emmanuel Kant: “O homem não pode tornar-se homem senão pela educação.” (Kant, Le Project moral de l’ éducation). A ideia de que a educação, enquanto empreendimento metódico, faz de nós o que nós somos corrobora a de que a natureza humana não está fixada de antemão, mas que integra a noção de projecto e de progresso. Há, portanto, uma espécie de humanidade como destinação só possível pela educação. É porque os homens têm a possibilidade de aprender que existe a educação.
Ainda hoje muitos ensinam de acordo com a convicção Kantiana de que só através do conhecimento pode o ser humano tornar-se um sujeito livre e responsável, de que o professor educa para a liberdade pela mediação do saber, ou seja, fornece os instrumentos para que o aluno se descubra na autonomia do seu pensar e agir. E se numa primeira fase, de facto, a escola fornecia uma instrução real, útil e profissional que garantia uma autonomia do indivíduo, poderemos questionar se actualmente o saber escolar leva a essa autonomia.
Numa época em que proliferam os múltiplos discursos arrojados e críticos e minuciosos e técnicos e experiências pedagógicas variadas, parece que alunos, pais, professores e os restantes agentes sociais comungam da mesma reserva niilista quanto às possibilidades iluminadoras da educação. Nunca tantos foram mobilizados para pensar e participar activamente nas questões da educação, mas hoje, como dantes, a questão mantém-se, é possível formar seres livres? Ou melhor, será ainda hoje importante formar para a liberdade?: “Onde é que o homem livre é a finalidade, em lugar do homem culto? (Max Stirner, Textos dispersos,1979).

Diz-se também que a função da escola é promover a integração social, preparar para a vida, ou, como dizem os meus estudantes dos cursos profissionais, para ter um emprego melhor – é mentira, stôra, que os licenciados também estão no desemprego! Ah, pois é, e ainda por cima quando se fazem estudos sociaia (Ivan Berg., Columbia) parece que autodidactas e licenciados obtêm, no mesmo trabalho, o mesmo sucesso!
O ensinamento escolar substitui, na sua quase totalidade, as funções educativas protagonizadas pelos membros das comunidades, que se processava, nas sociedades antigas, de forma natural e acidental, pela integração nos vários aspectos da comunidade, por intermédio dos jogos, tarefas, ritos. Os múltiplos quadros da existência humana são agora aprendidos mediatamente através das actividades escolares. Trata-se de uma educação artificial, na perspectiva da oposição libertária escola-vida: “Os adolescentes normais não se podem descobrir e crescer senão afrontando os empregos, o sexo, e as possibilidades do mundo real (..)” (Paul Goodman, La critique sociale et autres textes, 1997) E este mundo real necessita urgentemente dos seus jovens, não no sentido de uma exploração de mão de obra disponível, mas da sua participação manual e intelectual para a renovação urbana, das artes, das comunicações. Aliás, a única altura do ano lectivo em que os meus jovens profissionais têm uma relação cívica e até contente com a escola é na situação de estágio profissional. Aquelas pestes em sala de aula são subitamente elogiadas pelos orientadores nas fábricas, pela pontualidade, empenho e profissionalismo! Não dá para acreditar! No entanto, continuamos a impingir-lhes matérias que eles não consideram úteis, absolutamente teóricas, a fechá-los horas e horas nos edifícios, com uma pena secreta de não os poder amarrar às cadeiras!

É possível tantos anos de investigação nos domínios da psicologia, nomeadamente do desenvolvimento infantil, e não se terem produzido currículos radicalmente diferentes dos que temos agora? Continuamos a ensinar física aos nossos meninos sem nunca eles terem visto, desmontado ou construído um contador eléctrico. Continua a valorizar-se as faculdades intelectuais e a não privilegiar uma educação integral (outro mito iluminista). E porquê?

O fundamento do sistema educativo é um paradigma de humanidade, um pressuposto antropológico que constitui um auto-reconhecimento/identidade do humano. Estamos de tal modo embrenhados no mecanismo escolar/social/cultural/político que não há questionamento desse paradigma. A engenharia escolar limita-se a substituir indefinidamente os currículos, os materiais de apoio, adoptando novas tecnologias, numa parafernália de planificações, reuniões, provas de recuperação de faltas, branqueamento de faltas, estatutos de carreira docente, engendrando sempre mais e mais estratagemas possíveis para tornear esta situação absurda que a escola vive no início do terceiro milénio e que se insinua como a falência do próprio paradigma. Pergunto: alguém ainda acredita no que ensina e em como ensina? Nós somos os tais mestres de que fala Agostinho da Silva? Eu?
Como poderemos ser mestres se não aceitamos mestres? Mestres de quê? Quem pode ser Mestre? Conheço-me a mim mesmo? Dedico tempo a melhorar-me?
Mestre são os meus alunos quando me confrontam com o seu desprezo pelo saber escolar. Mestres são eles que espelham o meu autoritarismo quando decidem não querer ouvir a aula - mas eu acho que eles têm por obrigação ouvir aquelas coisas que eu no fundo também não quereria ouvir, nem dizer (estou a assumir que papel, o de mestre?) - quando me confrontam com a minha incapacidade de me transformar, de mais uma vez desde sempre ser cúmplice de um sistema educacional em que não acredito. Quantas vezes já tive de fechar o manual para lhes explicar que, bem, sabem, nem tudo o que vem no manual está certo, ainda não está actualizado com as novas teorias e práticas de vida, há outras formas de se pensar a vida! Se nem eu acredito! Nem desejo que os meus Mestres se tornem dóceis. Ou desejo?

Esclareçamos: a educação é um instrumento político essencial que contribui, não só para manter a lógica duma sociedade do espectáculo e os seus paradoxos, como para que não se privilegiem outras representações políticas, sociais, e pedagógicas possíveis. Assim, a escola como um espelho, reflecte a falência de um arquétipo antropológico que coloca à boca de cena a tirania de um ego humano e uma terra ecologicamente doente: “Que amanhã os preconceitos desapareçam, adeus ao orgulho nacional, que amanhã o ouro desapareça, adeus a este trabalho sobre-humano para reformar a natureza na esperança sempre desiludida de mais amontoar (…) Depois de ter querido reformar a natureza, o homem reparará o seu erro, adorando o que ele queimou.” (Fouques Jeune, Invariance Communautes, naturiens, vegetariens, vegetaliens, crudivegetaliens no movimento anarquista francês (1895-1938), Suplemento ao nº 9, série IV, 1993)

II

O homem livre é o homem criador, como diria Niestsche. Há que criar novos valores quando as instituições se apresentam como projectos falhados. A pedagogia actual perdeu o carácter libertador que se lhe reconhecia. A pedagogia endoutrina, “socializa deliberadamente” (Paul Goodman, op.cit.). A educação fomenta respostas obedientes a normas estabelecidas, induz à dependência, ao consumo, para a aceitação de uma cultura do bem estar e das desigualdades sociais, autoritária, competitiva, manipuladora, mediatizada, “(…) prepara o indivíduo para se achar no mundo dado como se estivesse na sua casa (…)”, enquanto deveria ensiná-lo “(…) a morar em si mesmo.” (Max Stirner, op.cit.)
Neste panorama, surge a perspectiva, um tanto bizarra, de que uma boa escola seria aquela onde as crianças pudessem ser salvas da socialização perturbada e louca dos tempos modernos, uma espécie de terapia para pôr as ideias em ordem, onde se pudessem desenvencilhar-se melhor. Ou seja, a educação deveria retardar o processo de socialização, contrariando todo o devir da educação a partir do Iluminismo. São disso exemplos, a já distante Summerhill ou as escolas de Elliot Shapiro em Hárlem ou até a contemporânea Givol, Gival Olga, Israel.

Não sei se se lembram de Ivan Illich. Tinha um livro pequenino dele que se chamava Educação sem escola. Andei à procura dele mas não o encontrei apesar de ficar, literalmente, com os dedos cheios de pó. Por isso vou citar de memória. Propunha ele que a escola desaparecesse. Montávamos uma rede com pessoas que quisessem ensinar. Cada indivíduo poderia ensinar diferentes matérias, consoante o seu gosto e conhecimentos, que, naturalmente, poderiam ir variando, pois na verdade o conhecimento vivo vai renovando-se. Como as serpentes. Não se trataria de um contrato para toda a vida, apenas enquanto professor e aluno assim o entendessem. E quem quisesse, por exemplo, aprender matemática tentava encontrar nessa rede alguém que se dispusesse a ensinar matemática. Há muitas pessoas que sabem de matemática e que gostam de ensinar. A vontade de partilhar conhecimentos é real e toca a todos. O problema para ele era como montar esse sistema de comunicação que agora a internet solucionaria. Este sistema funcionaria, dizia ele, porque o ser humano deseja naturalmente conhecer e aprender. Utopia? Eu gosto de utopias. Fazem-me acreditar nas possibilidades de mudança. Devíamos reflectir sobre este livrinho. E também sobre Rudolf Stiner. Não sou adepta da Antroposofia, acreditem, nem preciso sê-lo para compreender que a pedagogia Waldorf assenta coerentemente numa visão integral do ser humano muito mais lúcida do que a da corrente mecanicista dos últimos séculos!. E admiro-o por isso, por ter compreendido a dimensão espiritual do ser humano e a partir daí ter construído e posto em prática um sistema de ensino harmonioso e de acordo com as fases de desenvolvimento do ser humano. E conta que as crianças não se queixam de andar na escola. Também por isso deveríamos reflectir sobre ele!

Desculpem o texto estar tão longo. Entusiasmei-me.
Paula

9 comentários:

Kunzang Dorje disse...

Como pensar uma escola que visa formar pessoas livres se a sociedade em que estamos inseridos, em escala global, valoriza a competição, a concorrência, a criação de riqueza material através da recolha - "roubo à natureza" - de materias-primas, sua transformação, o aumento das exportações, o que implica o afinamento da tecnologia e o pensar em estratégias de forma a vencer uma guerra com outros países? Julgo que a escola que nós temos faz sentido no mundo em que estamos inseridos: uma escola tipo militar que prepara guerreiros tecnológico-comerciais para lutar contra comunidades/países concorrentes. A conquista do Espaço deve ser algo presente na consciência dos adultos... não é o meu espanto que um dia, uma aluna minha, muito stressada, me disse que tinha que decorar para o teste de Química os elementos químicos dos planetas... hum, algo me diz que a humanidade se prepara para ir buscar matéria prima ao Espaço, quando esta escassear por estas bandas...
Como formar pessoas livres se o novo paradigma dos pais é preencher o tempo livre dos seus filhos com actividades tipo ballet, música, judo, natação... Um dia perguntei a uma aluna de treze anos por que é que não tinha tempo para tocar violino em casa. Setôr, disse-me ela, é que tenho muitas actividades fora da escola. Sabe, às vezes até nem janto em casa pois só chego às 23 horas por causa do judo. E não brincas nem tens tempo para estar com os teus pais, perguntei-lhe eu. Muito pouco, disse-me ela... só às vezes, por volta da hora do jantar. Na semana seguinte falei com o pai, o qual paradigmaticamente me disse que é preciso preencher o tempo do jovens com muitas actividades para que eles nao pensem em mais nada, pois pensar nestas idades é nocivo. Ora, se nós não temos tempo para pensar, se nós não aprendemos a pensar, se pensar ou despensar é maligno, como é que conseguimos ser livres?

paula disse...

Continuo com Max Stirner no bolso, hoje: "Sem a nossa participação a nossa época não achará a palavra justa, pelo que todos deveremos trabalhar nesse sentido (...).Sêde completos e assim efectuareis algo de realizado. Sê «em ti mesmo o teu próprio culminar» e dessa maneira, também a vossa comunidade e a vossa vida social alcançarão a culminância" in O falso princípio da nossa educação

Caro Kunzang Dorje, temo que não tenhamos coração para abandonar este barco à deriva!

Serafina disse...

Adorei o seu texto e a sua reflexão, Paula. Muitos pais não quereriam os seus filhos numa escola como a que propõe (por exemplo, o pai referido pelo Kunzang Dorje), mas outros quereriam. Outros gostariam que os seus filhos fossem mais livres, felizes e criativos. Outros quereriam eles próprios ter frequentado uma escola assim. A sociedade de que fala o Kunzang Dorje é reforçada pela educação que temos e assim se cria um círculo vicioso. Criar uma alternativa para os que a procuram é construir a primeira ponte. É atirar a primeira pedra ao lago.
Sempre disse que se me saísse o Euromilhões (:D) investiria todo o meu dinheiro numa escola assim. E aceitaria todas as crianças, com ou sem dinheiro.

Kunzang Dorje disse...

Eu acho que faz muito sentido ensinar aos miúdos meditação. Eles têm disciplinas como área-projecto, cidadania, etc... Por que não ensinar os jovens a meditar? Meditação sem conotação religiosa... Simplesmente um espaço e tempo na escola, onde os miúdos se sentam durante algum tempo a observar os pensamentos que vão surgindo na mente, orientado obviamente por alguém experiente. Pessoalmente experimentei meditar com um aluno do 11º ano... ambos ficámos mais calmos, mais serenos, com maior abertura de espírito para contruir a aula... Outra coisa que experimentei com os mais pequenos (do 1º ciclo), sobretudo com os mais ansiosos, foi respirar profundamente com eles durante algum tempo... E resulta! Ambos ficámos mais serenos para aprender um com o outro.
Por isso julgo que ensinar a meditação aos jovens seria uma boa medida, um bom começo para tentar romper com o ciclo vicioso mencionado pela Laura. E também acredito que seria benéfico para os professores a participação em acções de formação de meditação.

Kunzang Dorje disse...

Recordo-me uma vez de Tsering Paldron, num seminário, falar sobre uma experiência que se fez numa prisão de alta segurança na Índia, na qual se ensinou os prisioneiros a fazer meditação vipashyana, experiência que teve resultados muito positivos.
Por isso, e por experiência pessoal, acredito firmemente que se o mundo precisa de mudar, há que fazer uma revolução a nível pessoal: meditar e contemplar a nossa verdadeira natureza e a do mundo. Não é por acaso que Sua Santidade o Dalai Lama afirma que a verdadeira natureza do ser humano é a bondade; acredito que ele constata isso por experiência própria.

paula disse...

Acho uma excelente ideia as acções de formação de meditação para professores. Vou informar-me sobre essa possibilidade. Depois aviso-vos!

WOLKENGEDANKEN disse...

Ensinar meditacao vipashyana aos alunos - e se fosse por mim a todas as pessoas - e uma ideia excelente mas nao resolve o problema basico da educacao escolar.

Acho que o ideal da educacao é ajudar os jovens a desenvolver o seu potencial que seja o que for ...... Pessoalmente nao vejo porque uma pessoa livre nao pode ser uma pessoa culta. A conditio sine qua non para ser livre é ter possibilidades de escolha .Quem vai numa certa direccao por ignorancia do facto que existem tambem outras nao é livre ...

E o terceiro punto, pois, sou adepta da filosofia budista que diz que o ser humano nao precisa de se transformar, tem - por natureza - tudo o necessario. Só precisa de se descubrir e assim voltamos a meditacao ......

Mas compreendo muito bem, Paula, a situacao dos professores confrontados a jovens sem perspectivas nem motivacoes que com muita razao nao acreditam nas ferramentas na sua disposicaso nem na sociedade para qual educam. Tambem sou professora, sei exactamente do que fala ....

WOLKENGEDANKEN disse...

Ah, e antes de me esquecer:

"A nossa pedagogia consiste em sobrecarregar as crianças com respostas, sem que elas tenham colocado questões, e às perguntas que fazem não se presta atenção. Respostas sem Perguntas, Perguntas sem Respostas". Karl R. Popper

Paulo Feitais disse...

Caríssima Paula, revejo-me no seu post.
Há um livro que considero fundamental e que tem muito a ver com o seu post: 'Dumbing us down, the hidden curriculum od compulsory schooling', de John Gatto. Trata-se duma obra 'fulminante'! Aliás com muitas ideias que podem ser aproximadas sem esforço às ideias pedagógicas de Agostinho da Silva.
Uma dessas ideias é, precisaqmente, que as crianças e os jovens deveriam aprender com as pessoas que tenham algo para ensinar: pintura com pintores, música com músicos, trabalhos manuais com carpinteiros,etc.
Uma das coisas mais tenebrosas da escola é a estratificação etária dos alunos, quando a escola deveria estar no centro vivo das comunidades e deveria ser um espaço inter-geracional. Há uma segregação das crianças e dos jovens que abre um fosso entre as gerações.
Eu não gosto nada do discurso pequeno-burguês (bastante 'possidónio' em termos culturais) de acordo com o qual os alunos não sabem nada, não têm referências culturais, etc., mas, e os professores? Ou seja: a base da cultura verdadeiramente humana é o encontro e a comunhão, mas o que se cultiva é a egolatria. E isso é terrível.
As escolas são fábricas de frustração. O que é tenebroso.
Eu na minha prática docente considero-me um guerrilheiro (Gatto também se considera um guerrilheiro dentro da escola): sou uma pedra na engrenagem, faço tudo para boicotar o sistema, ensinando, o que é aquilo que menos interessa ao sistema, que os professores ensinem, ou seja, que os professores sejam aprendentes. Por exemplo, todos os anos procuro introduzir um tema que me obrigue a investigar, muitas vezes com os alunos. Abrem-se interessantes espaços de convivência interrogativa, o que é bom.
Também considero que há uma mestria dos alunos. Que é muito difícil de reconhecer, porque fazê-lo exige uma atitude de abertura à dignidade do outro enquanto subjectividade aberta ao mesmo infinito que nos cativa (isto se não estivermos mortos).
Aborrece-me a atitude de velha borralheira que muitas pessoas assumem quando se acham nos píncaros do saber, ou do ter, ou do que quer que sejam que lhe encha o Ego de satisfação.
É fácil deitar abaixo. Por exemplo, é muito fácil provar que um aluno não sabe isto ou aquilo. A ignorância é o que temos todos nós em demasia. Mais difícil é provar que o aluno sabe, mesmo ao aluno. E quando os alunos descobrem que sabem, aí a coisa torna-se mágica.
No meu caso já me vi na necessidade de justificar as positivas, quando a maior parte dos professores tem que justificar as negativas. Coisas do 'ofício'.
Causa-me um aborrecimento sem nome o ter que estar nos conselhos de turma: aquela gente reúne-se só para dizer mal dos alunos. Eu passo muitas vezes por maluco porque acho que é meu dever levar sempre algo de positivo para dizer de cada um dos alunos.
Outra coisa que me aborrece são os manuais. Nas minhas aulas os manuais não entram. Mato-me a preparar materiais e a preparar as aulas. Mas os manuais são para os alunos aprofundarem o seu estudo.
Quanto à questão da meditação, já a tenho praticado com as minhas turmas, mas há que ter cuidado com o contexto.
Por exemplo, no ano passado pratiquei meditação com a turma que tive na prisão, mas só depois de ter aprofundado a minha relação com os alunos. Os resultados foram muito bons. Mas não há aí uma panaceia.
Com as outras turmas, um dos resultados mais imediatos é reparar que a minha presença na sala, depois de algumas sessões,tem um efeito nivelador do 'clima' da turma, há uma maior sintonia com o meu estado de espírito.
O que é importante é que o professor não trate os alunos como cães. Por assim dizer. e eu sei do que falo, infelizmente.
A cultura não é para ser atirada à cara das pessoas.
Por vezes os pais incultos, que não têm biblioteca, que não vão ao teatro, que não falam língua de macaco ilustrado, dão-me lições de humanidade que estão muito para lá daquilo que eu consigo vislumbrar.
Enfim...
Acho que já falei demais...

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Apontamentos para uma reflexão sobre educação

APONTAMENTOS PARA UMA REFLEXÃO SOBRE EDUCAÇÃO

I
“Onde é que o homem livre é a finalidade, em lugar do homem culto?
(Max Stiner, Textos dispersos)

O que se entende por educar? Afinal, os seres humanos, em todas as culturas, educaram os seus filhos. Não são apenas conhecimentos especializados que são transmitidos, mas também um modelo de Homem, um modelo de vida e de sociedade. Assim aconteceu com os gregos clássicos, com os escolásticos medievais, no Iluminismo, ou nas sociedades de espectáculo e tecnológicas de hoje. Não se trata apenas de formar o homem, a educação fundamenta-se na ideia de um mais que o homem. Como diria Novalis: “Não podemos ser simplesmente homens, devemos também ser mais do que homens.” (Novalis, Fragmentos)
Como realiza o homem o seu mais? Ao longo do tempo, foi-se criando a ideia e a esperança de que pela educação, ao formar os homens, podendo influenciar e determinar a partir do ainda indeterminado, se pudesse, tal como um artesão divino, esculpir aquilo que se consideraria mais perfeito, mais naturalmente humano, ou seja, mais de acordo com a natureza do humano. E de uma forma ou doutra, os utópicos da educação sempre sonharam em formar seres livres que contribuíssem para a construção de uma sociedade mais justa e bela. Assim, trata-se de saber que espécie de humano queremos formar hoje?
Herdeiros dos belos ideais da Ilustração e da revolução francesa, muitos de nós continuam a defender a crença de que a educação é condição de progresso, no sentido em que a espécie humana, e cada um em particular, pode através do esforço da educação, desenvolver, aperfeiçoar e realizar as qualidades da humanidade. Daí que a educação seja indissociável da evolução histórica da humanidade. Assim o afirma o ilustre filósofo das Luzes Emmanuel Kant: “O homem não pode tornar-se homem senão pela educação.” (Kant, Le Project moral de l’ éducation). A ideia de que a educação, enquanto empreendimento metódico, faz de nós o que nós somos corrobora a de que a natureza humana não está fixada de antemão, mas que integra a noção de projecto e de progresso. Há, portanto, uma espécie de humanidade como destinação só possível pela educação. É porque os homens têm a possibilidade de aprender que existe a educação.
Ainda hoje muitos ensinam de acordo com a convicção Kantiana de que só através do conhecimento pode o ser humano tornar-se um sujeito livre e responsável, de que o professor educa para a liberdade pela mediação do saber, ou seja, fornece os instrumentos para que o aluno se descubra na autonomia do seu pensar e agir. E se numa primeira fase, de facto, a escola fornecia uma instrução real, útil e profissional que garantia uma autonomia do indivíduo, poderemos questionar se actualmente o saber escolar leva a essa autonomia.
Numa época em que proliferam os múltiplos discursos arrojados e críticos e minuciosos e técnicos e experiências pedagógicas variadas, parece que alunos, pais, professores e os restantes agentes sociais comungam da mesma reserva niilista quanto às possibilidades iluminadoras da educação. Nunca tantos foram mobilizados para pensar e participar activamente nas questões da educação, mas hoje, como dantes, a questão mantém-se, é possível formar seres livres? Ou melhor, será ainda hoje importante formar para a liberdade?: “Onde é que o homem livre é a finalidade, em lugar do homem culto? (Max Stirner, Textos dispersos,1979).

Diz-se também que a função da escola é promover a integração social, preparar para a vida, ou, como dizem os meus estudantes dos cursos profissionais, para ter um emprego melhor – é mentira, stôra, que os licenciados também estão no desemprego! Ah, pois é, e ainda por cima quando se fazem estudos sociaia (Ivan Berg., Columbia) parece que autodidactas e licenciados obtêm, no mesmo trabalho, o mesmo sucesso!
O ensinamento escolar substitui, na sua quase totalidade, as funções educativas protagonizadas pelos membros das comunidades, que se processava, nas sociedades antigas, de forma natural e acidental, pela integração nos vários aspectos da comunidade, por intermédio dos jogos, tarefas, ritos. Os múltiplos quadros da existência humana são agora aprendidos mediatamente através das actividades escolares. Trata-se de uma educação artificial, na perspectiva da oposição libertária escola-vida: “Os adolescentes normais não se podem descobrir e crescer senão afrontando os empregos, o sexo, e as possibilidades do mundo real (..)” (Paul Goodman, La critique sociale et autres textes, 1997) E este mundo real necessita urgentemente dos seus jovens, não no sentido de uma exploração de mão de obra disponível, mas da sua participação manual e intelectual para a renovação urbana, das artes, das comunicações. Aliás, a única altura do ano lectivo em que os meus jovens profissionais têm uma relação cívica e até contente com a escola é na situação de estágio profissional. Aquelas pestes em sala de aula são subitamente elogiadas pelos orientadores nas fábricas, pela pontualidade, empenho e profissionalismo! Não dá para acreditar! No entanto, continuamos a impingir-lhes matérias que eles não consideram úteis, absolutamente teóricas, a fechá-los horas e horas nos edifícios, com uma pena secreta de não os poder amarrar às cadeiras!

É possível tantos anos de investigação nos domínios da psicologia, nomeadamente do desenvolvimento infantil, e não se terem produzido currículos radicalmente diferentes dos que temos agora? Continuamos a ensinar física aos nossos meninos sem nunca eles terem visto, desmontado ou construído um contador eléctrico. Continua a valorizar-se as faculdades intelectuais e a não privilegiar uma educação integral (outro mito iluminista). E porquê?

O fundamento do sistema educativo é um paradigma de humanidade, um pressuposto antropológico que constitui um auto-reconhecimento/identidade do humano. Estamos de tal modo embrenhados no mecanismo escolar/social/cultural/político que não há questionamento desse paradigma. A engenharia escolar limita-se a substituir indefinidamente os currículos, os materiais de apoio, adoptando novas tecnologias, numa parafernália de planificações, reuniões, provas de recuperação de faltas, branqueamento de faltas, estatutos de carreira docente, engendrando sempre mais e mais estratagemas possíveis para tornear esta situação absurda que a escola vive no início do terceiro milénio e que se insinua como a falência do próprio paradigma. Pergunto: alguém ainda acredita no que ensina e em como ensina? Nós somos os tais mestres de que fala Agostinho da Silva? Eu?
Como poderemos ser mestres se não aceitamos mestres? Mestres de quê? Quem pode ser Mestre? Conheço-me a mim mesmo? Dedico tempo a melhorar-me?
Mestre são os meus alunos quando me confrontam com o seu desprezo pelo saber escolar. Mestres são eles que espelham o meu autoritarismo quando decidem não querer ouvir a aula - mas eu acho que eles têm por obrigação ouvir aquelas coisas que eu no fundo também não quereria ouvir, nem dizer (estou a assumir que papel, o de mestre?) - quando me confrontam com a minha incapacidade de me transformar, de mais uma vez desde sempre ser cúmplice de um sistema educacional em que não acredito. Quantas vezes já tive de fechar o manual para lhes explicar que, bem, sabem, nem tudo o que vem no manual está certo, ainda não está actualizado com as novas teorias e práticas de vida, há outras formas de se pensar a vida! Se nem eu acredito! Nem desejo que os meus Mestres se tornem dóceis. Ou desejo?

Esclareçamos: a educação é um instrumento político essencial que contribui, não só para manter a lógica duma sociedade do espectáculo e os seus paradoxos, como para que não se privilegiem outras representações políticas, sociais, e pedagógicas possíveis. Assim, a escola como um espelho, reflecte a falência de um arquétipo antropológico que coloca à boca de cena a tirania de um ego humano e uma terra ecologicamente doente: “Que amanhã os preconceitos desapareçam, adeus ao orgulho nacional, que amanhã o ouro desapareça, adeus a este trabalho sobre-humano para reformar a natureza na esperança sempre desiludida de mais amontoar (…) Depois de ter querido reformar a natureza, o homem reparará o seu erro, adorando o que ele queimou.” (Fouques Jeune, Invariance Communautes, naturiens, vegetariens, vegetaliens, crudivegetaliens no movimento anarquista francês (1895-1938), Suplemento ao nº 9, série IV, 1993)

II

O homem livre é o homem criador, como diria Niestsche. Há que criar novos valores quando as instituições se apresentam como projectos falhados. A pedagogia actual perdeu o carácter libertador que se lhe reconhecia. A pedagogia endoutrina, “socializa deliberadamente” (Paul Goodman, op.cit.). A educação fomenta respostas obedientes a normas estabelecidas, induz à dependência, ao consumo, para a aceitação de uma cultura do bem estar e das desigualdades sociais, autoritária, competitiva, manipuladora, mediatizada, “(…) prepara o indivíduo para se achar no mundo dado como se estivesse na sua casa (…)”, enquanto deveria ensiná-lo “(…) a morar em si mesmo.” (Max Stirner, op.cit.)
Neste panorama, surge a perspectiva, um tanto bizarra, de que uma boa escola seria aquela onde as crianças pudessem ser salvas da socialização perturbada e louca dos tempos modernos, uma espécie de terapia para pôr as ideias em ordem, onde se pudessem desenvencilhar-se melhor. Ou seja, a educação deveria retardar o processo de socialização, contrariando todo o devir da educação a partir do Iluminismo. São disso exemplos, a já distante Summerhill ou as escolas de Elliot Shapiro em Hárlem ou até a contemporânea Givol, Gival Olga, Israel.

Não sei se se lembram de Ivan Illich. Tinha um livro pequenino dele que se chamava Educação sem escola. Andei à procura dele mas não o encontrei apesar de ficar, literalmente, com os dedos cheios de pó. Por isso vou citar de memória. Propunha ele que a escola desaparecesse. Montávamos uma rede com pessoas que quisessem ensinar. Cada indivíduo poderia ensinar diferentes matérias, consoante o seu gosto e conhecimentos, que, naturalmente, poderiam ir variando, pois na verdade o conhecimento vivo vai renovando-se. Como as serpentes. Não se trataria de um contrato para toda a vida, apenas enquanto professor e aluno assim o entendessem. E quem quisesse, por exemplo, aprender matemática tentava encontrar nessa rede alguém que se dispusesse a ensinar matemática. Há muitas pessoas que sabem de matemática e que gostam de ensinar. A vontade de partilhar conhecimentos é real e toca a todos. O problema para ele era como montar esse sistema de comunicação que agora a internet solucionaria. Este sistema funcionaria, dizia ele, porque o ser humano deseja naturalmente conhecer e aprender. Utopia? Eu gosto de utopias. Fazem-me acreditar nas possibilidades de mudança. Devíamos reflectir sobre este livrinho. E também sobre Rudolf Stiner. Não sou adepta da Antroposofia, acreditem, nem preciso sê-lo para compreender que a pedagogia Waldorf assenta coerentemente numa visão integral do ser humano muito mais lúcida do que a da corrente mecanicista dos últimos séculos!. E admiro-o por isso, por ter compreendido a dimensão espiritual do ser humano e a partir daí ter construído e posto em prática um sistema de ensino harmonioso e de acordo com as fases de desenvolvimento do ser humano. E conta que as crianças não se queixam de andar na escola. Também por isso deveríamos reflectir sobre ele!

Desculpem o texto estar tão longo. Entusiasmei-me.
Paula

9 comentários:

Kunzang Dorje disse...

Como pensar uma escola que visa formar pessoas livres se a sociedade em que estamos inseridos, em escala global, valoriza a competição, a concorrência, a criação de riqueza material através da recolha - "roubo à natureza" - de materias-primas, sua transformação, o aumento das exportações, o que implica o afinamento da tecnologia e o pensar em estratégias de forma a vencer uma guerra com outros países? Julgo que a escola que nós temos faz sentido no mundo em que estamos inseridos: uma escola tipo militar que prepara guerreiros tecnológico-comerciais para lutar contra comunidades/países concorrentes. A conquista do Espaço deve ser algo presente na consciência dos adultos... não é o meu espanto que um dia, uma aluna minha, muito stressada, me disse que tinha que decorar para o teste de Química os elementos químicos dos planetas... hum, algo me diz que a humanidade se prepara para ir buscar matéria prima ao Espaço, quando esta escassear por estas bandas...
Como formar pessoas livres se o novo paradigma dos pais é preencher o tempo livre dos seus filhos com actividades tipo ballet, música, judo, natação... Um dia perguntei a uma aluna de treze anos por que é que não tinha tempo para tocar violino em casa. Setôr, disse-me ela, é que tenho muitas actividades fora da escola. Sabe, às vezes até nem janto em casa pois só chego às 23 horas por causa do judo. E não brincas nem tens tempo para estar com os teus pais, perguntei-lhe eu. Muito pouco, disse-me ela... só às vezes, por volta da hora do jantar. Na semana seguinte falei com o pai, o qual paradigmaticamente me disse que é preciso preencher o tempo do jovens com muitas actividades para que eles nao pensem em mais nada, pois pensar nestas idades é nocivo. Ora, se nós não temos tempo para pensar, se nós não aprendemos a pensar, se pensar ou despensar é maligno, como é que conseguimos ser livres?

paula disse...

Continuo com Max Stirner no bolso, hoje: "Sem a nossa participação a nossa época não achará a palavra justa, pelo que todos deveremos trabalhar nesse sentido (...).Sêde completos e assim efectuareis algo de realizado. Sê «em ti mesmo o teu próprio culminar» e dessa maneira, também a vossa comunidade e a vossa vida social alcançarão a culminância" in O falso princípio da nossa educação

Caro Kunzang Dorje, temo que não tenhamos coração para abandonar este barco à deriva!

Serafina disse...

Adorei o seu texto e a sua reflexão, Paula. Muitos pais não quereriam os seus filhos numa escola como a que propõe (por exemplo, o pai referido pelo Kunzang Dorje), mas outros quereriam. Outros gostariam que os seus filhos fossem mais livres, felizes e criativos. Outros quereriam eles próprios ter frequentado uma escola assim. A sociedade de que fala o Kunzang Dorje é reforçada pela educação que temos e assim se cria um círculo vicioso. Criar uma alternativa para os que a procuram é construir a primeira ponte. É atirar a primeira pedra ao lago.
Sempre disse que se me saísse o Euromilhões (:D) investiria todo o meu dinheiro numa escola assim. E aceitaria todas as crianças, com ou sem dinheiro.

Kunzang Dorje disse...

Eu acho que faz muito sentido ensinar aos miúdos meditação. Eles têm disciplinas como área-projecto, cidadania, etc... Por que não ensinar os jovens a meditar? Meditação sem conotação religiosa... Simplesmente um espaço e tempo na escola, onde os miúdos se sentam durante algum tempo a observar os pensamentos que vão surgindo na mente, orientado obviamente por alguém experiente. Pessoalmente experimentei meditar com um aluno do 11º ano... ambos ficámos mais calmos, mais serenos, com maior abertura de espírito para contruir a aula... Outra coisa que experimentei com os mais pequenos (do 1º ciclo), sobretudo com os mais ansiosos, foi respirar profundamente com eles durante algum tempo... E resulta! Ambos ficámos mais serenos para aprender um com o outro.
Por isso julgo que ensinar a meditação aos jovens seria uma boa medida, um bom começo para tentar romper com o ciclo vicioso mencionado pela Laura. E também acredito que seria benéfico para os professores a participação em acções de formação de meditação.

Kunzang Dorje disse...

Recordo-me uma vez de Tsering Paldron, num seminário, falar sobre uma experiência que se fez numa prisão de alta segurança na Índia, na qual se ensinou os prisioneiros a fazer meditação vipashyana, experiência que teve resultados muito positivos.
Por isso, e por experiência pessoal, acredito firmemente que se o mundo precisa de mudar, há que fazer uma revolução a nível pessoal: meditar e contemplar a nossa verdadeira natureza e a do mundo. Não é por acaso que Sua Santidade o Dalai Lama afirma que a verdadeira natureza do ser humano é a bondade; acredito que ele constata isso por experiência própria.

paula disse...

Acho uma excelente ideia as acções de formação de meditação para professores. Vou informar-me sobre essa possibilidade. Depois aviso-vos!

WOLKENGEDANKEN disse...

Ensinar meditacao vipashyana aos alunos - e se fosse por mim a todas as pessoas - e uma ideia excelente mas nao resolve o problema basico da educacao escolar.

Acho que o ideal da educacao é ajudar os jovens a desenvolver o seu potencial que seja o que for ...... Pessoalmente nao vejo porque uma pessoa livre nao pode ser uma pessoa culta. A conditio sine qua non para ser livre é ter possibilidades de escolha .Quem vai numa certa direccao por ignorancia do facto que existem tambem outras nao é livre ...

E o terceiro punto, pois, sou adepta da filosofia budista que diz que o ser humano nao precisa de se transformar, tem - por natureza - tudo o necessario. Só precisa de se descubrir e assim voltamos a meditacao ......

Mas compreendo muito bem, Paula, a situacao dos professores confrontados a jovens sem perspectivas nem motivacoes que com muita razao nao acreditam nas ferramentas na sua disposicaso nem na sociedade para qual educam. Tambem sou professora, sei exactamente do que fala ....

WOLKENGEDANKEN disse...

Ah, e antes de me esquecer:

"A nossa pedagogia consiste em sobrecarregar as crianças com respostas, sem que elas tenham colocado questões, e às perguntas que fazem não se presta atenção. Respostas sem Perguntas, Perguntas sem Respostas". Karl R. Popper

Paulo Feitais disse...

Caríssima Paula, revejo-me no seu post.
Há um livro que considero fundamental e que tem muito a ver com o seu post: 'Dumbing us down, the hidden curriculum od compulsory schooling', de John Gatto. Trata-se duma obra 'fulminante'! Aliás com muitas ideias que podem ser aproximadas sem esforço às ideias pedagógicas de Agostinho da Silva.
Uma dessas ideias é, precisaqmente, que as crianças e os jovens deveriam aprender com as pessoas que tenham algo para ensinar: pintura com pintores, música com músicos, trabalhos manuais com carpinteiros,etc.
Uma das coisas mais tenebrosas da escola é a estratificação etária dos alunos, quando a escola deveria estar no centro vivo das comunidades e deveria ser um espaço inter-geracional. Há uma segregação das crianças e dos jovens que abre um fosso entre as gerações.
Eu não gosto nada do discurso pequeno-burguês (bastante 'possidónio' em termos culturais) de acordo com o qual os alunos não sabem nada, não têm referências culturais, etc., mas, e os professores? Ou seja: a base da cultura verdadeiramente humana é o encontro e a comunhão, mas o que se cultiva é a egolatria. E isso é terrível.
As escolas são fábricas de frustração. O que é tenebroso.
Eu na minha prática docente considero-me um guerrilheiro (Gatto também se considera um guerrilheiro dentro da escola): sou uma pedra na engrenagem, faço tudo para boicotar o sistema, ensinando, o que é aquilo que menos interessa ao sistema, que os professores ensinem, ou seja, que os professores sejam aprendentes. Por exemplo, todos os anos procuro introduzir um tema que me obrigue a investigar, muitas vezes com os alunos. Abrem-se interessantes espaços de convivência interrogativa, o que é bom.
Também considero que há uma mestria dos alunos. Que é muito difícil de reconhecer, porque fazê-lo exige uma atitude de abertura à dignidade do outro enquanto subjectividade aberta ao mesmo infinito que nos cativa (isto se não estivermos mortos).
Aborrece-me a atitude de velha borralheira que muitas pessoas assumem quando se acham nos píncaros do saber, ou do ter, ou do que quer que sejam que lhe encha o Ego de satisfação.
É fácil deitar abaixo. Por exemplo, é muito fácil provar que um aluno não sabe isto ou aquilo. A ignorância é o que temos todos nós em demasia. Mais difícil é provar que o aluno sabe, mesmo ao aluno. E quando os alunos descobrem que sabem, aí a coisa torna-se mágica.
No meu caso já me vi na necessidade de justificar as positivas, quando a maior parte dos professores tem que justificar as negativas. Coisas do 'ofício'.
Causa-me um aborrecimento sem nome o ter que estar nos conselhos de turma: aquela gente reúne-se só para dizer mal dos alunos. Eu passo muitas vezes por maluco porque acho que é meu dever levar sempre algo de positivo para dizer de cada um dos alunos.
Outra coisa que me aborrece são os manuais. Nas minhas aulas os manuais não entram. Mato-me a preparar materiais e a preparar as aulas. Mas os manuais são para os alunos aprofundarem o seu estudo.
Quanto à questão da meditação, já a tenho praticado com as minhas turmas, mas há que ter cuidado com o contexto.
Por exemplo, no ano passado pratiquei meditação com a turma que tive na prisão, mas só depois de ter aprofundado a minha relação com os alunos. Os resultados foram muito bons. Mas não há aí uma panaceia.
Com as outras turmas, um dos resultados mais imediatos é reparar que a minha presença na sala, depois de algumas sessões,tem um efeito nivelador do 'clima' da turma, há uma maior sintonia com o meu estado de espírito.
O que é importante é que o professor não trate os alunos como cães. Por assim dizer. e eu sei do que falo, infelizmente.
A cultura não é para ser atirada à cara das pessoas.
Por vezes os pais incultos, que não têm biblioteca, que não vão ao teatro, que não falam língua de macaco ilustrado, dão-me lições de humanidade que estão muito para lá daquilo que eu consigo vislumbrar.
Enfim...
Acho que já falei demais...

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