Um espaço para reinventar Portugal como nação de todo o Mundo, que estabeleça pontes, mediações e diálogos entre todos os povos, culturas e civilizações e promova os valores mais universalistas, conforme o símbolo da Esfera Armilar. Há que visar o melhor possível para todos, uma cultura da paz, da compreensão e da fraternidade à escala planetária, orientada não só para o bem da espécie humana, mas também para a preservação da natureza e o bem-estar de todas as formas de vida sencientes.

"Nós, Portugal, o poder ser"

- Fernando Pessoa, Mensagem.

Contributo para o grupo de trabalho Educação e Cultura

Sendo o Património um dado cultural e educacional das nossas Cidades, que as anima e lhe dá identidade através do seu edificado, tornando-se este um dos suportes para enumeras actividades. Permitimo-nos a uma reflexão sobre a forma de como os mecanismos de legitimação são utilizados para validar "centros/zonas-históricas" ponde de lado o individuo, habitante de determinada malha territorial, tornando as cidades meros cenários para turistas.
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A ideia de apropriação territorial, no sentido de ocupação física e afectiva do espaço, leva a que um grupo procure o que o caracteriza, para que se posa distinguir do vizinho, como refere José Mattoso (2003) " eu pertenço a uma categoria de indivíduos que se caracterizam especificamente pela comum condição de portugueses e que se distinguem de todos os outros homens por estes não o serem (...)"1, podemos transpor estas palavras para o universo local, a ideia de pertença surge-nos primeiramente no universo da micro-micro-escala (local) para a micro-escala (glocal) e só depois passa para a macro-escala (global), ou seja, Lisboa – Portugal – Europa.
Essa necessidade leva a um levantamento do património material e imaterial, relevante para a afirmação da identidade do Município ou freguesia. A artista plástica Isabel Brison (1980, Lisboa) numa obra intitulada "Maravilhas de Portugal"2 (Lisboa_ 2008) reforça essa ideia, ironizando-a, expondo que "quando se quer dar a conhecer uma cidade, o procedimento usual é compilar os monumentos e espaços públicos mais famosos e mais representativos do local.". Referindo-se ao universo individual de assimilação cognitiva da cidade, o modo como se difunde e legitima a noção de identidade municipal, através do património histórico-cultural, tem consequências no discurso e leitura que se faz desse mesmo espaço, alterando-se a sua escala de posicionamento relativa às narrativas de identidade e memória.
Um dos instrumentos legitimadores dessa identidade é a visibilidade simbólica, materializada nos "centros históricos", construtores de memórias colectivas, tornando o passado num presente recente, que as periferias intra-municipais, com o advento da globalização e da hiper-realidade, reivindicam também elas a validação de possuírem "periferias históricas", as chamadas "zonas históricas"
Nunca, tanto como hoje, as questões de valorização, salvaguarda e recuperação do património urbano mereceram tão ampla atenção e preocupação dos vários agentes sociais, numa época em que a globalização dita o mercado, o modo de agir e pensar, as Cidades tornaram-se em elementos estéticos de fruição individual e colectiva, "objectos de desejo" (Leach 2005) mercantilizados, fomentando a competição entre os vários territórios, através da dinamização dos "centros históricos" em "cidades criativas" (Richard Florida 2003). Já lá vai a época em que o património urbano era um elemento estático de uma cidade, meramente contemplativo, torna-se agora como potencial económico de sustentabilidade da cidade através da atracção turística.
Com o advento da individualização da sociedade perdeu-se a noção de "bairro", na verdadeira acepção do conceito, em que existia um entrosamento de culturas e extractos sociais, hoje o que existe são "novos bairros" que segregam determinados grupos culturais e sociais. Outrora competia-se entre bairros através de eventos "culturais", como as tão famosas marchas populares, etc., que hoje não passam de elemento etnográfico lisboeta para o turista, em que as festas populares, que não passavam disso mesmo, da interacção popular de carga simbólica, tornaram-se num ingrediente de atracção turística. Nos dias que correm os "novos bairros" competem pela, camuflada, qualidade de vida, que se verifica através do cuidado que tem na reabilitação dos vestígios patrimoniais urbanos, tanto a nível do edificado como do ambiental. É sempre importante mostrar resquício do antigo, nem que seja a preservação de uma chaminé de um qualquer complexo industrial transformado em condomínio.
Este tipo de prática levanta questões a nível dos interventores – arquitectos, engenheiros, urbanistas – na maneira como se apropriam das práticas das suas disciplinas na reconversão de determinadas áreas ou edifícios de carácter histórico municipal ou para uma determinada comunidade que criou a sua identidade colectiva através desse mesmo complexo, Quando o principal argumento passa por " (...) pensar na importância (documental, histórica, estética material) destes, já escassos, sobreviventes (os edifícios históricos), dotados de um valor potencial, essencial a uma economia de futuro, virada para os serviços, para uma nova residencialidade urbana e para o turismo. É preciso perceber que os americanos e os japoneses vêm à Europa para ver as nossas cidades."3, até que ponto se pode apagar a memória colectiva e afectiva da ideia patrimonial de uma localidade para que o visitante possa usufruir da embriaguez estética (Leach 2005) do território edificado e ambiental?!
Vivemos num contexto de multiculturalidade global, em que se pretende marcar a diferença afastando-se do que o diferencia verdadeiramente, por pressão do exterior construindo um cenário de consenso e automática comparação com o outro, Portugal/Europa. É certa a necessidade do outro na estrutura da edificação de uma identidade, seja individual ou comunitária mas "ela precisa de seu tempo, o tempo do pensamento"4 para criar uma imagem sólida na dialéctica entre as várias escalas e tomada de consciência do que somos e de não como os outros querem que sejamos.
Concordamos com o geógrafo Orlando Ribeiro quando critica todos aqueles que se refugiam em "espaços teóricos ou abstractos"5 faltando-lhes "por completo o sentido do espaço concreto (...)"6, defendendo o confronto desses saberes teóricos com o espaço perceptível e a multidisciplinaridade de quem o analisa ou constrói a diversidade regional, amparada em pressupostos das chamadas Ciências Sociais e Humanas, para que se entendam, de como, segundo os autores Jean Rémy e Liliane Voyé, se dão as trocas sociais e culturais, ou seja, levamos a uma " (...) compreensão do estatuto do espaço e dos modos de agrupamento das populações e das actividades"7, para que não sejam as contingências econimico-turisticas a ditar o modo de intervenção no território.
---------------
(Em elaboração)

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Maribel Mendes Sobreira

4 comentários:

Paulo Feitais disse...

Muito estimulante, este contributo! O território talvez seja a 'obra' cultural mais espiritual que existe. Penso que a Metafísica ocidental 'desterritorializou' o espaço e subordinou-o ao tempo. O tempo a seguir a Descartes (e vemos isso claramente em Kant e nas teodiceias que deram origem ao idealismo alemão e o prolongaram nos materialismos históricos) passou a ser o elemento da vida espiritual. Até o facto do 'passado' se ver carregado duma forte carga identitária mostra isso.
O território é espácio-temporalidade partilhada, com-vivida. O turista muitas vezes não si do roteiro (aliás há pouco tempo comrei um livro delicioso de Fernando Pessoa: 'Lisboa: o que um turista deve ver', Livros Horizonte. Quero compaginá-lo com o 'Lisboa livro de bordo' de José Cardoso Pires.
Nesse livro, curiosamente, Pessoa oferece-se de cicerone ao turista e propõe-se a conduzi-lo por uma périplo por Lisboa feito de automóvel!
O que esse guia pessoano deixa de fora, sob a influencia do estereótipo do turista que seduzia as mentes nos anos 20, é o 'património humano', a malha social da cidade.
É aí que está a espiritualidade do território. Uma cidade gangrenada por condomínios fechados, que não tem vida aos Domingos e feriados, que não tem crianças a brincar na rua (e como poderia?), que tem uma sonoridade titânica que exilou a voz humana (o grito, o pregão, o riso, o canto, a conversa) não é território, mas uma justaposição de espaços hermeticamente vedados uns em relação aos outros.
:)

Paulo Borges disse...

Aguardo a continuidade, Maribel, e, se possível, uma síntese em termos de proposta para o texto deste grupo.

Concordo com o que o Paulo diz. Pergunto como vês as alternativas a este estado de coisas.

Kunzang Dorje disse...

Caros amigos,

é possível que um território físico, uma rua, um bairro, uma cidade, um país, um continente, o mundo - é possível pensar e materializar um espaço físico de forma a que este de alguma forma traga paz de espírito, harmonia, bem-estar entre diversas comunidades culturais e religiosas? É possível a existência harmónica de uma rua com uma igreja, uma mesquita e uma sinagoga, de um bairro onde se ouve falar chinês, árabe, romeno e português, de uma cidade cujo património histórico não seja simples amontoado de pedras com um estilo de determinada época mas sim algo com poder espiritual para uma iniciação? Será utópico pensar um Portugal como espaço geográfico e espiritual onde o visitante turista acima de tudo procura efectivar uma revolução espiritual? É isso que se procura com este movimento?

Paulo Borges disse...

Caro Kunzang Dorje, creio que estamos aqui para nos empenharmos em propor e realizar isso tanto quanto possível. Esse é o Outro Portugal que almejo. Começa em cada um de nós. Neste preciso instante e em cada preciso instante. O que não dispensa pensar propostas concretas para apresentar à comunidade. Há que fazer todo o possível por despertar consciências, começando sempre pela nossa.

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Contributo para o grupo de trabalho Educação e Cultura

Sendo o Património um dado cultural e educacional das nossas Cidades, que as anima e lhe dá identidade através do seu edificado, tornando-se este um dos suportes para enumeras actividades. Permitimo-nos a uma reflexão sobre a forma de como os mecanismos de legitimação são utilizados para validar "centros/zonas-históricas" ponde de lado o individuo, habitante de determinada malha territorial, tornando as cidades meros cenários para turistas.
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A ideia de apropriação territorial, no sentido de ocupação física e afectiva do espaço, leva a que um grupo procure o que o caracteriza, para que se posa distinguir do vizinho, como refere José Mattoso (2003) " eu pertenço a uma categoria de indivíduos que se caracterizam especificamente pela comum condição de portugueses e que se distinguem de todos os outros homens por estes não o serem (...)"1, podemos transpor estas palavras para o universo local, a ideia de pertença surge-nos primeiramente no universo da micro-micro-escala (local) para a micro-escala (glocal) e só depois passa para a macro-escala (global), ou seja, Lisboa – Portugal – Europa.
Essa necessidade leva a um levantamento do património material e imaterial, relevante para a afirmação da identidade do Município ou freguesia. A artista plástica Isabel Brison (1980, Lisboa) numa obra intitulada "Maravilhas de Portugal"2 (Lisboa_ 2008) reforça essa ideia, ironizando-a, expondo que "quando se quer dar a conhecer uma cidade, o procedimento usual é compilar os monumentos e espaços públicos mais famosos e mais representativos do local.". Referindo-se ao universo individual de assimilação cognitiva da cidade, o modo como se difunde e legitima a noção de identidade municipal, através do património histórico-cultural, tem consequências no discurso e leitura que se faz desse mesmo espaço, alterando-se a sua escala de posicionamento relativa às narrativas de identidade e memória.
Um dos instrumentos legitimadores dessa identidade é a visibilidade simbólica, materializada nos "centros históricos", construtores de memórias colectivas, tornando o passado num presente recente, que as periferias intra-municipais, com o advento da globalização e da hiper-realidade, reivindicam também elas a validação de possuírem "periferias históricas", as chamadas "zonas históricas"
Nunca, tanto como hoje, as questões de valorização, salvaguarda e recuperação do património urbano mereceram tão ampla atenção e preocupação dos vários agentes sociais, numa época em que a globalização dita o mercado, o modo de agir e pensar, as Cidades tornaram-se em elementos estéticos de fruição individual e colectiva, "objectos de desejo" (Leach 2005) mercantilizados, fomentando a competição entre os vários territórios, através da dinamização dos "centros históricos" em "cidades criativas" (Richard Florida 2003). Já lá vai a época em que o património urbano era um elemento estático de uma cidade, meramente contemplativo, torna-se agora como potencial económico de sustentabilidade da cidade através da atracção turística.
Com o advento da individualização da sociedade perdeu-se a noção de "bairro", na verdadeira acepção do conceito, em que existia um entrosamento de culturas e extractos sociais, hoje o que existe são "novos bairros" que segregam determinados grupos culturais e sociais. Outrora competia-se entre bairros através de eventos "culturais", como as tão famosas marchas populares, etc., que hoje não passam de elemento etnográfico lisboeta para o turista, em que as festas populares, que não passavam disso mesmo, da interacção popular de carga simbólica, tornaram-se num ingrediente de atracção turística. Nos dias que correm os "novos bairros" competem pela, camuflada, qualidade de vida, que se verifica através do cuidado que tem na reabilitação dos vestígios patrimoniais urbanos, tanto a nível do edificado como do ambiental. É sempre importante mostrar resquício do antigo, nem que seja a preservação de uma chaminé de um qualquer complexo industrial transformado em condomínio.
Este tipo de prática levanta questões a nível dos interventores – arquitectos, engenheiros, urbanistas – na maneira como se apropriam das práticas das suas disciplinas na reconversão de determinadas áreas ou edifícios de carácter histórico municipal ou para uma determinada comunidade que criou a sua identidade colectiva através desse mesmo complexo, Quando o principal argumento passa por " (...) pensar na importância (documental, histórica, estética material) destes, já escassos, sobreviventes (os edifícios históricos), dotados de um valor potencial, essencial a uma economia de futuro, virada para os serviços, para uma nova residencialidade urbana e para o turismo. É preciso perceber que os americanos e os japoneses vêm à Europa para ver as nossas cidades."3, até que ponto se pode apagar a memória colectiva e afectiva da ideia patrimonial de uma localidade para que o visitante possa usufruir da embriaguez estética (Leach 2005) do território edificado e ambiental?!
Vivemos num contexto de multiculturalidade global, em que se pretende marcar a diferença afastando-se do que o diferencia verdadeiramente, por pressão do exterior construindo um cenário de consenso e automática comparação com o outro, Portugal/Europa. É certa a necessidade do outro na estrutura da edificação de uma identidade, seja individual ou comunitária mas "ela precisa de seu tempo, o tempo do pensamento"4 para criar uma imagem sólida na dialéctica entre as várias escalas e tomada de consciência do que somos e de não como os outros querem que sejamos.
Concordamos com o geógrafo Orlando Ribeiro quando critica todos aqueles que se refugiam em "espaços teóricos ou abstractos"5 faltando-lhes "por completo o sentido do espaço concreto (...)"6, defendendo o confronto desses saberes teóricos com o espaço perceptível e a multidisciplinaridade de quem o analisa ou constrói a diversidade regional, amparada em pressupostos das chamadas Ciências Sociais e Humanas, para que se entendam, de como, segundo os autores Jean Rémy e Liliane Voyé, se dão as trocas sociais e culturais, ou seja, levamos a uma " (...) compreensão do estatuto do espaço e dos modos de agrupamento das populações e das actividades"7, para que não sejam as contingências econimico-turisticas a ditar o modo de intervenção no território.
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(Em elaboração)

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Maribel Mendes Sobreira

4 comentários:

Paulo Feitais disse...

Muito estimulante, este contributo! O território talvez seja a 'obra' cultural mais espiritual que existe. Penso que a Metafísica ocidental 'desterritorializou' o espaço e subordinou-o ao tempo. O tempo a seguir a Descartes (e vemos isso claramente em Kant e nas teodiceias que deram origem ao idealismo alemão e o prolongaram nos materialismos históricos) passou a ser o elemento da vida espiritual. Até o facto do 'passado' se ver carregado duma forte carga identitária mostra isso.
O território é espácio-temporalidade partilhada, com-vivida. O turista muitas vezes não si do roteiro (aliás há pouco tempo comrei um livro delicioso de Fernando Pessoa: 'Lisboa: o que um turista deve ver', Livros Horizonte. Quero compaginá-lo com o 'Lisboa livro de bordo' de José Cardoso Pires.
Nesse livro, curiosamente, Pessoa oferece-se de cicerone ao turista e propõe-se a conduzi-lo por uma périplo por Lisboa feito de automóvel!
O que esse guia pessoano deixa de fora, sob a influencia do estereótipo do turista que seduzia as mentes nos anos 20, é o 'património humano', a malha social da cidade.
É aí que está a espiritualidade do território. Uma cidade gangrenada por condomínios fechados, que não tem vida aos Domingos e feriados, que não tem crianças a brincar na rua (e como poderia?), que tem uma sonoridade titânica que exilou a voz humana (o grito, o pregão, o riso, o canto, a conversa) não é território, mas uma justaposição de espaços hermeticamente vedados uns em relação aos outros.
:)

Paulo Borges disse...

Aguardo a continuidade, Maribel, e, se possível, uma síntese em termos de proposta para o texto deste grupo.

Concordo com o que o Paulo diz. Pergunto como vês as alternativas a este estado de coisas.

Kunzang Dorje disse...

Caros amigos,

é possível que um território físico, uma rua, um bairro, uma cidade, um país, um continente, o mundo - é possível pensar e materializar um espaço físico de forma a que este de alguma forma traga paz de espírito, harmonia, bem-estar entre diversas comunidades culturais e religiosas? É possível a existência harmónica de uma rua com uma igreja, uma mesquita e uma sinagoga, de um bairro onde se ouve falar chinês, árabe, romeno e português, de uma cidade cujo património histórico não seja simples amontoado de pedras com um estilo de determinada época mas sim algo com poder espiritual para uma iniciação? Será utópico pensar um Portugal como espaço geográfico e espiritual onde o visitante turista acima de tudo procura efectivar uma revolução espiritual? É isso que se procura com este movimento?

Paulo Borges disse...

Caro Kunzang Dorje, creio que estamos aqui para nos empenharmos em propor e realizar isso tanto quanto possível. Esse é o Outro Portugal que almejo. Começa em cada um de nós. Neste preciso instante e em cada preciso instante. O que não dispensa pensar propostas concretas para apresentar à comunidade. Há que fazer todo o possível por despertar consciências, começando sempre pela nossa.

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